Perversões
É necessário garganta e estômago para engolir os efeitos colaterais de viver. Felizmente utilizamos medidas que definem e justificam a nossa existência, tornando-a mais suportável. É expectável que os dias tenham vinte e quatro horas, que as semanas sejam conjuntos de dias, e assim progressivamente, até termos uma Vida – uns conjuntos de anos.
Mas não apenas de tempo é formada esta existência. Há outras coisas que são igualmente importantes. Por exemplo, a qualidade do tempo passado na Vida. O Saber reunido dentro de nós, o Amor que cultivámos, o Sexo que nos alegra o corpo e a mente.
Comprei mais um livro e cobicei uma mulher casada. Pecados mortais que apenas desgastam. Os livros, esses pequenos animais domésticos, são como jovens putinhas ou curiosas novidades. Após consumidos até à última frase, para ali ficam esquecidos. Reler um livro é raro, no entanto, volta e meia lá o temos novamente ao colo.
Cresci no centro da antiga cidade. Rodeado por muralhas e ruas calcetadas em estilo romano. Não com a geometria perfeita da calçada portuguesa mas sim a organização caótica de rochas lisas, plantadas no chão, ocupando o seu espaço sem pretenderem pertencer ao Todo.
Vértice 1 As ruas são planas e limpas. O frio não se sente como se sentia ontem. Hoje, nesta tarde de Setembro, carrego a bússola que me ajudará a chegar sua casa. Uma medusa de cabelos loiros, semelhante a pequenas serpentes albinas com olhar atrevido. Perco-me numa das ruas sem saída, questiono um jovem cavaleiro que por ali encontro onde é a morada que esta medusa me forneceu.
Os seus olhos verdes iluminavam o bairro. Os dias nas ruas eram bastante solitários e a cama construída com velhos cartões e alguns lençóis que foi recolhendo de contentores de lixo era ingrata e penosa. As horas eram longas durante a noite, principalmente no inverno, quando o frio teimava em fazer-lhe companhia.
Existem duas luas, uma com tons vermelhos - lama que cobre o astro num eterno sangrar - e a outra, a mais pequena, branca e virginal como uma pérola celeste. Todos somos feitos da mesma matéria merdosa que compõe o universo. A vida consiste em viajar por ele à velocidade do nosso planeta - que vertigem de tempo e espaço - e sofregamente aguardar pelo fim do processo da célula que nasce e morre.
Sentados em círculo aguardávamos. Em silêncio, ou em conversas murmuradas, tentávamos esconder a vergonha e a insegurança que nos levou até ali. Quatro mulheres, sentadas e intercaladas por quatro homens. Do meu lado esquerdo uma loira vistosa. Quarenta anos vividos. Aliás, todos nós éramos vividos e penitentes no mundo da perversão e promiscuidade caso contrário, não estaríamos reunidos como quem aguarda julgamento.
É nesta idade que as cores perdem a vivacidade e ganham um sabor e texturas nunca antes sentidas. É nesta idade que as perdas são sentidas como oportunidades de mudança, seja esta desejada ou não. Nesta idade há mais perversão e o Amor é uma ideia tão linda (ou um mafarrico pequenino e difícil de apanhar). Ontem, quando ainda estava um calor de derreter rocha, conduzia perto do Cais do Sodré em frente ao Mercado da Ribeira. Abrandei para uma menina atravessar a estrada.
É difícil não ceder à tentação – pensou ele quando numa proposta direta, fria e sem espinhas, ela insinuou que queria por ele ser possuída. O peso sobre os seus ombros fez se sentir quando, no leve movimento de língua, ela saboreou o momento que poderia advir desta nova aventura. Claramente era uma leoa assanhada em fértil período de perversão.