Triângulo

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Vértice 1

As ruas são planas e limpas. O frio não se sente como se sentia ontem. Hoje, nesta tarde de Setembro, carrego a bússola que me ajudará a chegar sua casa. Uma medusa de cabelos loiros, semelhante a pequenas serpentes albinas com olhar atrevido.

Perco-me numa das ruas sem saída, questiono um jovem cavaleiro que por ali encontro onde é a morada que esta medusa me forneceu.

- É na próxima rua, paralela a esta, meu caro senhor – responde-me com toda a pompa e circunstância que a circunstância exige.

Subo as ingremes escadas que me conduzem ao topo de uma torre de betão sem elevador. E a luz é escassa, as placas com palavras que não consigo ler indicam, provavelmente, que estou no caminho certo.

Quando a grande porta se abre - uma porta de madeira e metal ferrugento - vislumbro a medusa que me aguarda. Vestido branco e sapatos com salto alto e afiado, tal e qual como punhais de prata. Sem demoras nem formalismos de desconhecidos passa-me para a mão um cálice de vinho.

- Espero que não esteja envenenado – penso para comigo.

O efeito do veneno surge quando, após a primeira garrafa do tinto néctar, a abraço pelas costas, sentindo os enormes seios sobre o vestido branco, sentindo o arfar das pequenas serpentes em volta da minha cabeça e os monólogos excitantes e pervertidos ao meu ouvido. Toda esta inebriação envolve-me como uma placenta. É nesta crisálida que a mutação me aguarda.

Cresce em mim o sabre que penetra o berço húmido e suave da feiticeira. Entre contrações e movimentos esfomeados ela olha-me nos olhos – resisto à tentação de me transformar em estátua – e suplica-me ardentemente:

- Traspassa-me com a tua longa e poderosa lâmina.

Volto para casa e são três da manhã. O cheiro dela na pele e os fluidos ainda frescos no sexo fazem-me pensar: - Devia escrever esta história.

Vértice 2

No terceiro dia após a chegada, o jovem médico sentiu os efeitos nefastos da Lua cheia. É junto ao rio que se sente observado, faz frio, é tarde e a cidade é-lhe desconhecida. O rio é calmo e a água escura como breu, condizendo perfeitamente com o olhar da mulher que, quase como por magia, sai do táxi que estaciona em frente ao Hotel. Ele aguardava-a e no bolso trazia consigo uma pequena garrafa de vodka que seria o cartão de boas vindas para a desconhecida. Embora não se conhecessem o suficiente para se sentirem à vontade, sabia que o seu cheiro o excitava e a sua pele era suave como uma seda pura. Quando se aproximam – olhos nos olhos e passo alinhado em ritmo e simetria – beijam-se como velhos conhecidos. Lábios que não se conhecem mas partilham uma familiaridade incomum.

- Um brinde à imprevisibilidade da vida – diz ela enquanto engole uma boca cheia de vodka, pelo gargalo como seria expectável.

O elevador é semelhante a um sarcófago, no entanto, as mãos percorrem os corpos e o desejo não permite que o sentimento claustrofóbico os invada.

- Rápido abre a porta – diz ela ao mesmo tempo que lhe mordisca o lóbulo da orelha direita.

Após três orgasmos dela e duas ejaculações dele, o sono conquista o seu lugar na cama. Corpo junto de corpo; pele com pele.

As quecas ensonadas e preguiçosas aparecem e desaparecem como sonhos mas um arfar compulsivo, como quem morre aos poucos por desgosto, acorda o jovem médico. O corpo dela não toca no corpo dele. Ela chora. Veste-se e sem diálogo, explicação ou mesmo um simples olhar, foge do quarto de hotel, refugiando-se no anonimato que os uniu.

Vértice 3

Beberam imenso. O vinho é barato e guloso e o tempo parece escoar cada vez mais rápido. Os minutos são pequeninos e diminutos.

- Passamos a noite juntos? – perguntou ele.

- Claro – responde ela e soluça, provavelmente por efeito do vinho tinto carrascão.

E após o primeiro shot de vodka beijam-se e o álcool é partilhado pelos lábios. A sensação é fresca.

- Ah! – exclama ele.

- Uh! Outro? – propõe ela corajosamente.

Ao fim de vários triplos e quádruplos copos de destilado o olhar é turvo e as mãos tornam-se irrequietas. A vontade de beijo e aperto é latente no olhar de ambos e então desaparecem do bar sem prestar contas a ninguém. Lá fora, na praça, a chuva miudinha acaricia as faces como pequenas gotículas de gelo e eles correm. Correm como crianças doidas, tropeçando e escorregando sem cair. Riem. As gargalhadas perturbam as ruas mais desertas, e até as portadas de algumas janelas resmungam, expressando o desagrado por tamanha violação do sossego.

- Moro aqui, não podemos fazer barulho – ela segura-o pela mão enquanto abre a porta e sobre umas ingremes escadas de madeira. A luz é inexistente e ele apalpa-lhe o rabo.

O quarto dela é um daqueles de solteira. Pequenino e bonito, cama de madeira com espaço suficiente para uma miúda magrita, livros alinhados e roupa devidamente arrumada. Cheira bem e tem uma luz agradável.

Apertados na cama. O suor começa a formar-se nas virilhas, nos peitos que se tocam, nas mãos que se enlaçam e nos sexos que se fundem.

- Espera – diz ela – quero chupar-te.

Olhando o teto, sentindo os seus lábios envolvendo ao seu pénis, o mundo parece melhor, mais seguro, mais prazeroso e ela sabe o que faz. Olham-se. Olhar alcoolizado de ambos é também apaixonado.

- Venho-me na tua boca?

- Hum hum – balbucia ela movendo a cabeça em sinal afirmativo, ao mesmo tempo que o engole a até o nariz tocar na pélvis.

Na manhã seguinte, não se recordam do nome um do outro, mas isso não impede que fodam uma vez mais antes de um adeus, mais logo ligo-te.

Cracóvia, 22 de setembro 2016
um Velho Pervertido