Fantástico

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Frequentemente desejo o Fantástico. Conduzir por uma estrada deserta durante a noite e avistar algo inexplicável. Luzes que pelo céu que me seguem; uma mulher na berma da estrada assustadoramente sensual, surgindo do nada, tal como uma assombração…

Sei que deveria andar neste mundo com uma bigorna pesada presa ao calcanhar. Constantemente divago pelas alturas da fantasia. Por vezes, fico preso em memórias ou receios. Inconscientemente construo um trajeto que acerta mesmo na muche do indesejável e penso: “Já fizeste merda outra vez” e pequenas fagulhas de metal incandescente jorram dos meus olhos.

Há além, onde a sombra começa, perto da rocha que se assemelha a uma figura humana, um frio constante e um formigueiro. Os insetos procuram o conforto nessa sombra pois o calor do sol é mortífero. Também ela vivia numa caverna, tal como formiga trabalhadeira e dedicada à causa. A primeira vez que a vi foi apenas uma sombra. Passou por mim e senti o perfume, olhei para trás e a sombra dobrava a esquina, semelhante a uma agulha de esparguete que verga com vapor de água quente.

No cliché de histórias de amor, eu poderia escrever que passados uns dias, meses ou qualquer outro fragmento de tempo, acabei por encontra-la e ver a sua face…

Algumas horas depois, quando no Largo do Carmo bebia cervejas e tentava ler um livro, – daqueles que demoram anos a terminar – a aragem daquele perfume despertou-me. Era ela quem, na mesa mesmo ao lado da minha, mordiscava uma unha e mexia no telemóvel. Recebeu uma chamada:

– Sim é como te escrevi na mensagem – disse ela num tom arrastado de quem repetiu a mesma frase vezes sem conta – não quero falar contigo. Sabes que não altero as minhas decisões – e desligou a chamada.

Pediu um café ao rapaz de rastas que por ali servia. Bebeu. Pagou. Levantou-se e desapareceu. Tinha um belo rabo e as pernas bem torneadas.

Fantástico seria se eu me tivesse levantado. Não ter pago as cervejas e ter deixado o livro esquecido na mesa. Segui-la tal como um-gajo-estranho-exibicionista-de-gabardine rua abaixo até ao Chiado. Ofegante, chegaria perto dela e inventaria uma desculpa idiota.

– Desculpa. Que perfume usas? – ou algo bem pior como – Quero cheirar-te – certamente um par de estalos bem assentes na fronha seriam a resposta.

– Estiveste perto do Mercado da Ribeira hoje?

– O quê? Desculpe?!

– Senti este perfume que penso ser o mesmo que usas.

– Sim estive lá – respondeu-me um pouco espantada, curiosa e desconfiada. Uma frase tão curta e tão cheia de tudo.

Ela vivia numa casa partilhada ali perto da Rua das Pretas. Nessa noite, após ter chorado todas as lamechices características de termino de relações, após termos bebido copos de destilados aromatizados, após eu lhe ter posto a mão na coxa e lhe ter dito que a queria, terminamos na sua cama.

Acontece-me frequentemente desejar o fantástico. Nesse dia, após ela ter desaparecido. Bebi as minhas cervejas. Terminei de ler o livro que me aterrorizava há vários anos. Foi um fantástico fim de tarde.

Lisboa, 04 de novembro 2016
um Velho Pervertido