Perversões
No passado domingo, na Casa do Alentejo, o baile não era temático mas, por falta de motivo melhor, as velhotas embonecaram-se e algumas levaram as netinhas como companhia. Cidália era uma conhecida de António, e a neta, uma boneca de 27 anos acompanhou-a. Quando entrou no salão de baile com a avó, já António bebericava um tinto e quase se engasgou. Aquele golo de vinho não foi de beber, foi de comer, como se algo lhe entrasse pela guela sem ter sido mastigado.
Havia um aguaceiro no seu olhar e um sabor acre nos lábios, como se tivesse feito uma direta e o fígado gritasse por auxílio; as despedidas costumam ter este tipo de efeitos secundários. Nunca havíamos dado as mãos, mas naquela tarde, soubemos que seria o primeiro entrelaçar de dedos. A sombra das nuvens invadia a cidade como uma aguarela e havia o som de folhas de árvores no vento.
Terminei a tua história.
Para dizer a verdade nem foi muito difícil. Recordas-te quando voltámos do Porto e tu estavas cansada. Foste para a cama cedo. Nessa noite, sentei-me ao computador e comecei a escrever. Bebi vinho. Fiz várias pausas entre parágrafos e espreitei-te, deitada, dormindo pacificamente. Com o olhar, percorri as tuas pernas descobertas e as tuas cuecas, brancas e justas à pele. Por vezes respiravas fundo. Mexias-te ligeiramente ou coçavas o rabo e eu voltava a sentar-me ao computador. Fiz quase uma directa mas terminei.
Sempre fui uma mulher de poucas palavras. Lembro-me que comecei a falar bastante tarde e os meus pais, preocupados com maus-olhados e outras doenças da época, levaram-me a um médico, por forma a curar-me da ausência de palavras. As ideias, essas não faltavam. Corriam pela minha cabeça como bandos de pássaros. Por vezes, contradiziam-se. As dúvidas surgiam. As questões aumentavam, no entanto as palavras, essas que pouco dizem quando ditas em alta voz, eram inexistentes, e para mim eram igualmente desnecessárias.