Livro usado

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Comprei mais um livro e cobicei uma mulher casada. Pecados mortais que apenas desgastam. Os livros, esses pequenos animais domésticos, são como jovens putinhas ou curiosas novidades. Após consumidos até à última frase, para ali ficam esquecidos. Reler um livro é raro, no entanto, volta e meia lá o temos novamente ao colo. A capa vincada e com vícios de leitura.

Sei o que me espera na primeira página. Estou desejoso de chegar à parte da descrição da viagem. A noite de sexo com a prostituta de Madrid. O jantar romântico com desfecho dramático passado em Gibraltar.

No Campo Pequeno, nos bancos vermelhos que por ali aguardam os mais cansados ou os mais pervertidos, aguardei por ela. Não falávamos a mesma língua. Ela casada, mãe, procurando aventuras que dissipassem o nevoeiro denso que cobria a sua vida. Tardava em chegar. O vestido curto e as lindas pernas de bailarina russa foram as primeiras imagens que ela me ofereceu. Passo a passo, óculos escuros e andar confiante. Sim, era ela. Reconheceria aquelas pernas em qualquer lado. Tantas as vezes que, no carro, no sofá, num quarto de uma pensão, as abri por forma a penetrar no seu calor de Mulher…

A cada vírgula respiro. A história adensa, o bailado de palavras em cada frase não deixa ser fascinante. E um ponto final que por aqui fica esquecido. E continua a frase com essa pausa considerada errada nas leis da gramática.

Fomos para casa dela. O marido em viagem algures pela Rússia. A filha, a miúda de quinze anitos está em casa do namoradinho, também ele russo. Cheira bem nesta casa com ares de Leste. Que matrioska deliciosa! Quando a dispo e a jogo como uma boneca para cima da cama, ela sorri e diz algo não percebo mas entendo o que significa. Adora que eu a foda. Que a penetre lá fundo, para além da Sibéria e dos locais mais escondidos da sua Memória.

Há um prazer em lamber o dedo e folhear mais uma página. Quando nos aproximamos do final de um capítulo e metade daquela folha está em branco, há um sentimento que naufraga entre desespero e felicidade. Algo está prestes a acontecer. Um novo cenário?

Ela vem-se quando me cavalga. A luz que a ilumina pelas costas fá-la parecer uma divindade. A aura dourada que envolver o seu corpo nu, os seios pequenos e desenhados na perfeição, são como uma aparição pecaminosa. É uma mulher dedicada e delicada. Tem um dente partido, consigo ver quando por cima dela a penetro e ela geme abrindo a boca como que procurando oxigénio - respirando a vida num arfar de prazer.

A história não é novidade mas este enlear e desenlear de eventos que o autor tão delicadamente resolveu costurar fascinam-me cada vez que os leio. As palavras não poderiam ser outras e as personagens ganham vida na minha vida. São já velhos amigos e companheiros de aventuras. Alguns tornam-se detestáveis e não os quero por perto, no entanto, permanecem nas páginas como que tatuados na frágil pele da memória. O desfecho aproxima-se com passos de cordeiro. Esse lobo disfarçado não engana ninguém. Pobre autor que vai subindo degraus para final mais previsível.

Enquanto me visto, ela senta-se por trás de mim de pernas aberta encostando a vulva na minha pele. Os lábios ainda latejantes e húmidos e o calor do seu sexo envolvem-me, confortam-me. Terei que ir. A nossa relação resume-se a isto. Não vamos querer destruir algo que funciona tão bem. Não vamos desejar que o cacilheiro tente voar.

A história termina e o génio do autor desvenda-se, exibido toda a exuberância do inesperado. A mulher que ama quem não deve. O homem que desaparece na escuridão da noite de pecado. O livro morre e voltará à vida se eu o quiser – se Eu a Desejar.

Lisboa, 10 de novembro 2016
um Velho Pervertido