Perversões
Foi com a vontade de nos apaixonar que combinamos encontrar-nos em Buenos Aires. Eu cheguei primeiro. Ele estava atrasado. Sei que o trânsito nesta cidade torna-se um pesadelo, principalmente nas sextas feiras por volta da hora do jantar. Não somos apologistas de encontros cegos, no entanto, todos os encontros são cegos e assim aconteceu.
Esperava por elas na esplanada. Ali mesmo perto da Feira da ladra, no Jardim de Santa Clara. A primeira a chegar é Dalila. Apesar de a conhecer desde sempre, sinto que cada vez que a vejo descubro algo novo. Seja um recente cabelo branco que descansa sobre a testa, ou uma opinião descabida sobre um assunto que à partida pensei que estaríamos de acordo.
Abraçaram-se tocando peito com peito, coração com coração. As faces, suadas e desconhecidas, roçaram levemente, expressando uma timidez que ambos desejavam que evaporasse. Os corpos que procuram sintonia tornam-se sensíveis e atentos a pormenores invisíveis. Apenas dentro do abraço existem.
Poemas e prosas. As palavras são-lhe fáceis, como sacar caricas de médias ou como ver as horas no grande relógio da igreja. Aprendeu a ler e a escrever sozinho apenas olhando os livros que o pai lhe lia. As pessoas diziam que era um génio mas ele nunca se sentiu como tal. Na insegurança que um génio tem, sempre duvidou das suas capacidades e por isso, esforçava-se mais que qualquer outra pessoa.
Começo o dia acompanhado pelo som de uma aleatória sinfonia clássica. Sento-me à secretária. Quando abandonei a pequena aldeia onde nasci, em busca de uma vida aventurosa e estimulante, nunca imaginei que acabaria aqui. Sentado, olhando o vazio, ocupando o tempo com deambulações pelas memórias e seguindo o voo das moscas varejeiras que ocasionalmente entram no prédio. Durante a noite, as longas horas na escuridão afogam-me a vida. Efémera e sem expectativas.
Na segunda-feira, a chuva massacrava lentamente as cabeças, os ombros e tudo o que se lhe atravessava pela frente (ou por baixo). João Peixe, ensopado em monotonia, no seu apartamento na Graça, preparava-se para ir à caça. A companhia de uma nova mulher seria perfeito para colorir o cinzento do dia.
Cacos de vidro O namorado dela trabalhava numa fábrica de garrafas de vidro. Tinha também o dom de fomentar as conversas mais monótonas e chatas que se possam imaginar. Sinceramente eu não estava muito interessado em saber, em pormenor, o processo de produção de vidro, garrafas, caricas e o raio que o parta. Mas naquela noite, tal como havia prometido a mim mesmo, iria investir, melhorar, aprimorar as minhas competências sociais e de boa camaradagem.
Ela havia estudado cinema numa Universidade privada; aos 24 anos de idade trabalhava como empregada de balcão no cinema. A primeira vez que a vi reparei no seu cabelo, longo e castanho, com uma franja milimetricamente cortada e que desenhava uma reta horizontal, mesmo por cima das sobrancelhas.
Decidi comprar o bilhete mais barato para fora da Europa e deixar-me ir para algures em África. Algures onde o sol é quente demais para as lágrimas escorrerem nas faces. A meu lado um sujeito alto, negro e trajando um fato típico de empresário do mundo financeiro, lia um dos jornais facultados pela hospedeira de bordo.
- Está mole.
- Espera, deixa-me chupar-te – colocando-se de joelho junto a ele, salivando e cuspindo na mão.
Algumas lambidelas e reflexo de vómito depois:
- Anda, vem para cima de mim – pede ele já sentado numa poltrona de cabedal negro.