Anónimos

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Sentados em círculo aguardávamos. Em silêncio, ou em conversas murmuradas, tentávamos esconder a vergonha e a insegurança que nos levou até ali. Quatro mulheres, sentadas e intercaladas por quatro homens. Do meu lado esquerdo uma loira vistosa. Quarenta anos vividos. Aliás, todos nós éramos vividos e penitentes no mundo da perversão e promiscuidade caso contrário, não estaríamos reunidos como quem aguarda julgamento. O decote comprime-lhe os seios, a pele, ligeiramente bronzeada, está coberta por pequenas sardas. O ocasional cruzar de pernas, o olhar de quem anseia penetração e o leve arfar - sempre que por acidente lhe toco no braço - são alguns dos sintomas que espelham a sua condição e a motivaram a procurar este grupo. Os especialistas classificam-na como ninfomaníaca.

À minha direita, no apogeu dos seus vinte e sete anos, uma miúda bastante pálida e magra. Cabelo negro como uma noite sem estrelas, lábios desenhados com Perfeição. As pernas magras e pálidas. As mãos. Dedos longos e delgados. Desejo-a.

Sinto suores percorrerem-me como ondas de água gelada. Cada vez que estas mulheres se movem e se tocam, o ímpeto para as possuir aumenta. O coração acelera e tento não exteriorizar a ansiedade que vai crescendo dentro de mim. Os restantes, homens e mulheres, padecem da mesma tensão. Consigo perceber pela forma desconfortável com que procuram poiso nas cadeiras. O ranger da madeira por vezes é mais alto que as conversas diminutas e quase imperceptíveis, mas o ruído ensurdecedor dos pensamentos e desejos sente-se nos ossos, na carne e na pele. Reparo na mulher sentada à minha frente no outro lado do circulo. Discretamente passa a mão sobre a pele de galinha que se manifestou mesmo perto do joelho direito. A saia sobe ligeiramente. É sensual.

Um dos homens observa a miúda pálida. Uma fome de lobo escorre virtualmente pelo queixo. Cada um de nós envolvidos pelas suas fantasias e fomes. O círculo de Homens e Mulheres torna-se mais apertado. Há uma tensão de trovoada sobre as nossas cabeças. O suor é frio e é desencadeado por cada olhar. As mulheres estão excitadas pelas provocações e consigo sentir o cheiro de Desejo. Imagino como seria colocar gentilmente a mão sobre a perna da loira e lentamente, sentido cada pequeno pelo, cada poro, repousar na sua vulva. Imagino como ela, gotejando de desejo sobre os meus dedos, comporia uma sinfonia de gemidos que ecoando neste círculo de gentes seria o mote para uma orgia. Sem vergonha nem juízos. Mulheres com homens em posições de serpentes com cio. Mulheres com mulheres em gemidos graves e agudos lembrando a inversão dos corpos num sessenta e nove sonoro. Homens com homens recordando-nos o passado Romano.

Há um senhor, o mais velho do grupo, cujas mãos suam nervosamente. Constantemente as passa nas coxas tentando apaziguar este nervoso miudinho. Por dentro, perto dos órgãos que controlam estes impulsos, imagino um furacão descontrolado… pobre homem…

Ali estamos… aguardando quem surgirá para nos confrontar e instigar a confessar os pecados. Os nossos desejos, castrados pelos que nos convenceram, a nós amantes dos corpos e do sexo, que é errado fantasiar. É errado querer mais. É incorrecto sujeitar o corpo a ondas de prazer.

- Estes grupos de ajuda são uma treta – penso para comigo. Não tenho perfil para me vitimar. Não o farei. Nesse momento, há um sujeito com um ar de artolas impotente que entra na sala. Traz consigo um caderno de capa preta semelhante a um livro sagrado, cumprimenta-nos com um sorriso e umas palavras triviais. A rapariga pálida olha-me de soslaio. Sorrio-lhe como se ela fosse minha e pego na sua mão.

- Vamos embora daqui. – Ela acena afirmativamente, e tal como entrámos, meros anónimos, assim abandonámos a sala e o círculo de gentes.

Lisboa, 11 de agosto 2016
um Velho Pervertido