Nesta idade

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É nesta idade que as cores perdem a vivacidade e ganham um sabor e texturas nunca antes sentidas. É nesta idade que as perdas são sentidas como oportunidades de mudança, seja esta desejada ou não. Nesta idade há mais perversão e o Amor é uma ideia tão linda (ou um mafarrico pequenino e difícil de apanhar).

Ontem, quando ainda estava um calor de derreter rocha, conduzia perto do Cais do Sodré em frente ao Mercado da Ribeira. Abrandei para uma menina atravessar a estrada. Devia ter cerca de vinte e dois anos e uma frescura que congelava pequenos flocos de neve invisíveis por onde passava. Os calções de ganga com bainha imperfeita e algumas manchas de lixívia davam o toque final de rebeldia sensual.

Enquanto a menina caminhava, lentamente, um pé em frente ao outro, observei-a sem pressa e sem vergonha. As pernas longas e magras. A articulação perfeita em sintonia com o doce balançar dos braços. Reparei também no seu olhar que, timidamente confiante, repousava sobre um horizonte à distância de duas passadas. Os tornozelos delicadamente desenhados e sem meias; apenas uns sapatos de pano preto e atacadores brancos protegiam os delicados pés das adversidades urbanas – mijo de cão, mãos de sem abrigos, poças de vómito e outras relíquias. Não consigo deixar de reparar na reminiscência de celulite na parte anterior das coxas. Sensual e verdadeiro, tal como o primeiro beijo dado ali perto, por baixo da ponte 25 de Abril, tendo como sinfonia o som dos carros e comboios que a atravessam. É nessa idade que a descoberta é constante. É o pão que alimenta o espirito. Somos invencíveis e perfeitos. O sexo é a arma mais mortífera que possuímos e somos tão bons a utilizá-la!

Nessa idade, quando a pele é firme e sensível à descoberta, sentimo-nos os seres mais interessantes e importantes do planeta. Os astros veneram a juventude. Ela sabe que é nessa idade que se descobrem algumas das melhores coisas da vida.

Após alguns segundos ela afasta-se, ficando cada vez mais pequena à medida que a distância entre nós aumenta. Um pequeno vulto no fundo de uma rua, uma lembrança ténue. Ela nada sabe sobre mim. Não sabe que existo nem que a consumi com olhos de um predador manso. Muito menos imagina que a perpetuo numas frases que vou escrevendo aleatoriamente, sem qualquer intuito de a transformar numa obra de arte, apenas brincando e imaginando o que poderia Ser.

Nesta idade vou saboreando os pequenos doces que os dias me oferecem e é nesta idade que aprendemos a reconhecer os padrões da Vida. As paixões são vividas com intensidade extrema; a sede num deserto é saciada com água fresca de um oásis descoberto por acaso durante a marcha rotineira que antecede a desistência – e a menina que atravessa a estrada desfila para mim. Nesta idade não penso no que me espera amanhã. Quando acordei junto de uma mulher que pouco conheço e que muito desejo – ou desejei na noite anterior - descubro que a fruta, após cortada, não deve ser guardada na esperança de um Depois, de um “mais logo quando tiver fome” ou um desejo de açúcar. Não! O doce néctar do momento deverá ser consumido imediatamente, na totalidade, com exagero, satisfação e principalmente sem Pudor.

Lisboa, 25 de julho 2016
um Velho Pervertido