Sobre a consciência das coisas

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Existem duas luas, uma com tons vermelhos - lama que cobre o astro num eterno sangrar - e a outra, a mais pequena, branca e virginal como uma pérola celeste. Todos somos feitos da mesma matéria merdosa que compõe o universo. A vida consiste em viajar por ele à velocidade do nosso planeta - que vertigem de tempo e espaço - e sofregamente aguardar pelo fim do processo da célula que nasce e morre. No entretanto do tempo, entre o nascer e o morrer, fazem-se coisas e coisinhas. Amanhã ou alguns anos depois, essa coisinha, a vidinha, seca e morre como uma passa de uva.

No outro planeta - o tal com duas luas - não existe vidinha; existe uma Consciência Primordial e algumas manifestações, que por ingenuidade, se consideram únicas e individuais e as quais designaremos por Consciências Secundárias. Nesse planeta não há machos, nem fêmeas, nem hermafroditas, nem géneros que consigamos catalogar de acordo com as definições que por aqui utilizamos. É muito mais simples aqui na Terra! Macho com fêmea ou macho com macho. Fêmea com fêmea e machos em corpos de fêmeas e fêmeas em corpos de macho. Muito simples... encontram-se, fazem coisinhas e assim ficam até morrerem, ou procuram um outro poiso para fazer as suas coisinhas. No outro planeta, as consciências iludidas com a sua unicidade, encontram-se como quem se depara com um espelho e observa a sua imagem pela primeira vez. Na eventualidade de apresentarem um grau de compatibilidade superior a 62,47%, um fenómeno incrível acontece, o qual gostaria de partilhar convosco!

(Atenção, não irei entrar em detalhes sobre o modo como é avaliado e calculado o grau de compatibilidade pois é de extrema complexidade. A representação percentual que apresento trata-se apenas de uma mera aproximação, além de que, a matemática terráquea não contempla algumas das variáveis avaliadas no cálculo supra mencionado).

Pois bem, retomando ao primeiro encontro! Não existe contacto entre as Consciências Secundárias, aliás, como poderia existir tal coisa? A consciência é imaterial. Reflexos de espelhos, sim! Era aí que íamos! Tal como nós, terráqueos insatisfeitos com a perenidade da existência, numa luta árdua pela satisfação, também as Consciências Secundárias o fazem dentro da sua natureza imaterial. Procuram no falso reflexo (atenção que este processo acontece nas duas consciências secundárias simultaneamente) as imperfeições que as perturbam, e, lentamente, como que numa metamorfose, vão se alterando, e tentando identificar essa alteração no falso reflexo com que se deparam. Este processo de mudança e de expectativa de observação da mudança no outro, é bastante semelhante ao que nós designamos por Relações. O momento alto deste ritual celeste é algo espantoso. Atingido um estado de perfeição - as casualidades das mudanças encontram-se num estado de harmonia - as Consciências Secundárias tocam-se pela primeira vez, e é quando, conscientemente, se reconhecem num Outro que não o Eu. Unificam-se e assim permanecem. Nesta harmonia regressam à Consciência Primordial libertando pequenas Nuvens de Imperfeições. Estas nuvenzinhas tornar-se-ão Consciências Secundárias e procurarão um semelhante com o qual atingirão a ambicionada perfeição. Conscientemente, reconhecer-se-ão no Outro. O ciclo perpetua-se. Sempre foi e sempre será.

Lisboa, 22 de agosto 2016
um Velho Pervertido