No abraço

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Abraçaram-se tocando peito com peito, coração com coração. As faces, suadas e desconhecidas, roçaram levemente, expressando uma timidez que ambos desejavam que evaporasse. Os corpos que procuram sintonia tornam-se sensíveis e atentos a pormenores invisíveis. Apenas dentro do abraço existem. Embora a música ecoasse na sala e os corpos se movimentassem como um só, nem um nem outro a sentiam como som. O braço dele nas costas dela. A mão direita dela repousando sobre a mão esquerda dele. Peito com peito, coração com coração. O movimento era uno. Quando a música - a que se sente no corpo e não a que se ouve - termina, os corpos não se separam. Não, claro que não se separam, pelo menos naturalmente... O esforço para quebrar o abraço é imenso e o resultado é doloroso. Porque haveriam de se separar? No entanto é o que acontece. Os olhos cruzam-se.

- Estás bem? - pergunta ele.

- Sim, estou - responde ela arfante e com um brilho no olhar semelhante a rios que refletem o sol num dia de verão.

Novamente o abraço. Peito com peito e coração com coração. Sem vergonha, as faces tocam-se. Cada poro, cada pequeno pedacinho de pele fundindo os rostos. As mãos dela.

Nas costas dela a mão dele, timidamente abraçando na plenitude. Não apenas uma mão que jaz por ali como apoio. Os dedos prolongam-se envolvendo-a como num casulo de dedos, comprimindo o coração com coração. O peito dela. Todo o torso contra o dele, o suor flui pela pele. Ela é leve e suave e por vezes, como que reconhecendo que uma pequena pedra se atravessou no caminho, aperta a mão dele num gesto quase involuntário, circunstancial. Ambos sorriem sem se olharem.

O braço dele; o braço justo ao corpo dela e que a envolve protegendo-a do passado e do futuro. O suor acumula-se e a frescura deste fluído de excitação acalma o que poderia ser uma catástrofe! As roupas desintegrarem-se ali mesmo, em frente a todos os outros, autómatos que se deslocam ao ritmo de uma música repetida vezes sem conta. Os corpos fundir-se-iam assim como as memórias. Uma nova vida poderia surgir, fruto das histórias que ambos agora partilham mas que, por desígnios de tempo, não as viveram juntos. Ambos sabem que o tempo escasseia e a cada compasso, a cada passo, aproximam-se o fim. Que frustração tamanha!

- Talvez possamos continuar apenas mais um pouco - pensa ele enquanto a sua mão direita, delicadamente, comprime a carne dela. Um punhado de carne na mão dele. Ela responde, passando suavemente a mão direita perto do pescoço dele. Onde o pescoço termina e as costas se iniciam numa queda vertiginosa. Ambos sorriem sem se olharem.

- Podemos continuar - comenta ela exibindo os olhos que brilham como safiras. O respirar é acelerado e a face avermelhada, como se tivesse corrido em direção ao paraíso prometido.

Peito com peito, coração com coração. As faces fundidas. O suor que escorre pelas costas. Ambos escutam o final anunciado. É tão difícil viver o presente!

No dia seguinte, enquanto bebem um café observando o mar, conversam e, nas questões de circunstância conhecem-se. Trocam nomes e origens. Os sorrisos involuntários de quem sabe perfeitamente que o que aconteceu foi deliciosamente perverso, é agora motivo de riso. Os olhos dela. O sorriso dele. Os cânones escritos pelos autómatos que os rodeiam limitam-lhes os sentimentos. É como se o castrassem no apogeu da sua virilidade; é como se a traumatizassem ao ponto secar e selar a sua vulva. O último desejo dele é-lhe negado, no entanto, mesmo pertinho do fim, quando o som da música se torna algo distante e efémero ela aproxima-se.

- Podemos dançar uma última vez.

Blankenberge, 12 de junho 2016
um Velho Pervertido