Perversões
Nos dias em que fica de prevenção as cigarrilhas são sempre poucas. A personalidade adaptou-se ao ambiente, tal como areia fina, que procura a sua zona de conforto numa garrafa de vidro. O Inspector é um tipo frio e perfeccionista; obcecado pelas regras, fiel crente da acção reacção, detesta o acaso. Consegue perceber, pelo tom do vento, qual a direcção em que o crime se desloca. Aos quarenta e cinco anos, nunca se entregou, na totalidade, a uma mulher. Teve amores intensos, dos que abanam alicerces e fazem vizinhos e transeuntes invejarem a luz que emanam, no entanto, nunca disse um “Eu amo-te”.
Era um vez um homem. Um homem muito Homem. Vivia sozinho e sem plantas. Nem um alho germinado, pois apodreciam antes de gerar o talo branco e verde - o mesmo acontecia às cebolas. Não era infeliz, apenas Era.
Violeta, tinha uns lindos olhos, maquilhados em tons lilás. Os seus seios, jovens e firmes, delicados e encantadores, despertavam nos homens um desejo de proteção. Diria mesmo que, no fundo do inconsciente, as mazelas freudianas com as quais todos nascemos e vivemos, sobressaiam à flor da pele. A sua - a pele - era de brancura imaculada, assemelhava-se a lençóis virginalmente brancos e perfumados.
Bebemos e dançámos até às três da manhã. Não estávamos bêbados.
Quando o silêncio ocupou o lugar da música, pedi-lhe um cigarro e um beijo. Um beijo no canto da boca como que numa provocação acidental. Sorrimos. Dissemos adeus.
Não fico horas em frente destas folhas em branco. Arranco as palavras como um penso rápido. A ferida não sarou, mas isso não impede que esteja disposta a suportar a dor. Rápida e voraz. Nervos excitados e pele dorida. Essa é a forma como vivo. A vida deve ser assim. Rápida e com pequenas pontadas de dores que nos dilatam as pupilas. Há quem diga até que é uma droga, uma droga viciante mas não sustentável. Não pensaremos no seu fim, nem no limite de tempo que dispomos, até que a trip passe.
Terminei a tua história.
Para dizer a verdade nem foi muito difícil. Recordas-te quando voltámos do Porto e tu estavas cansada. Foste para a cama cedo. Nessa noite, sentei-me ao computador e comecei a escrever. Bebi vinho. Fiz várias pausas entre parágrafos e espreitei-te, deitada, dormindo pacificamente. Com o olhar, percorri as tuas pernas descobertas e as tuas cuecas, brancas e justas à pele. Por vezes respiravas fundo. Mexias-te ligeiramente ou coçavas o rabo e eu voltava a sentar-me ao computador. Fiz quase uma directa mas terminei.
Apesar de sentir atracão pelas profundezas, não era mineiro nem mergulhador, aliás, nem sabia nadar. Nunca tinha visto o mar. Falo das profundezas da alma. Das caves mais escondidas da mente sem alquimia ou esoterismo, entenda-se! Falo dos cantos mais recônditos, onde os sonhos nascem como pequenas fontes, onde as memórias se condensam e formam diamantes translúcidos. Por vezes, apenas e só quando os remorsos são cortantes, o sangue flui. Esses diamantes, esses mesmos que são memórias, tornam-se rubis escarlates. Pois bem, ele estudava a fundo a fundura da mente. Aprendeu lendo os livros, ouvindo os velhos, ouvindo os novos. Conversando consigo durante horas de meditação e não menos importante, olhando a Natureza. A noite e a luz, o negro do céu e o brilho dos astros, deram-lhe grandes lições sobre distância e imortalidade.
O que se passou naquela primeira vez, quando resolvemos fugir até ao vazio de um montado, é uma memória que conservo num pequeno frasco à prova de luz para que nunca desapareça ou se estrague.
Sempre fui uma mulher de poucas palavras. Lembro-me que comecei a falar bastante tarde e os meus pais, preocupados com maus-olhados e outras doenças da época, levaram-me a um médico, por forma a curar-me da ausência de palavras. As ideias, essas não faltavam. Corriam pela minha cabeça como bandos de pássaros. Por vezes, contradiziam-se. As dúvidas surgiam. As questões aumentavam, no entanto as palavras, essas que pouco dizem quando ditas em alta voz, eram inexistentes, e para mim eram igualmente desnecessárias.