Pensos rápidos

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Não fico horas em frente destas folhas em branco. Arranco as palavras como um penso rápido. A ferida não sarou, mas isso não impede que esteja disposta a suportar a dor. Rápida e voraz. Nervos excitados e pele dorida. Essa é a forma como vivo. A vida deve ser assim. Rápida e com pequenas pontadas de dores que nos dilatam as pupilas. Há quem diga até que é uma droga, uma droga viciante mas não sustentável. Não pensaremos no seu fim, nem no limite de tempo que dispomos, até que a trip passe.


Lara divorciou-se. A casa teve que ser vendida. O carro, ficou para ela, no entanto, não o quer. Felizmente não haviam crianças para dividir - tal como uma refeição canibal - nem dividas pendentes. Passados dois anos, aqui está ela. Vive num apartamento ali para os lados da Estrela. Tem plantas e livros. Não tem gatos nem cães, aliás, considera que aprisionar animais pelo simples prazer de uma companhia é desumano. Humanos devem ser os primeiros animais a gerir corretamente a solidão, diz Lara, e eu concordo. O casamento é bastante semelhante a esta relação Homem e Animal de companhia... Tenho dito!

Conheci Lara na casa Independente, ali mesmo no Intendente. Estávamos ambas no primeiro andar, à varanda, e bebíamos cerveja tal e qual imagens em espelho. Lara é Loira. Eu nem tanto.

As pessoas no rés do chão falavam alto e riam, como se a felicidade, encharcada em álcool, brotasse de cada copo de cerveja.

- Gosto de observar esta felicidade nas pessoas - disse Lara.

- Não sei até que ponto é fingido, sabes? - respondi.

- O álcool ajuda.

- Pessoas felizes não têm histórias. São previsíveis.

- Entendo. Eu sou a Lara - ergueu o copo de cerveja como que num brinde de boas vindas.

- Chin chin - respondi.

Nessa noite conversámos durante algumas horas. Entretanto, à medida que o tempo avançava, Lara ficava mais embriagada e sonolenta.

- Vou ter que ir para casa, já não aguento mais - disse ao mesmo tempo que se levantava do grande cadeirão de cabedal.

- Estás bem? Queres boleia? - perguntei.

- Não, obrigada - e sorriu.

Acariciei a sua face e beijei-a no rosto. A sua mão, passou pelo meu braço nu.

Fiquei com a estranha sensação de que esta mulher, loira e discreta, seria um doce jogo de sedução e prazer caso eu assim o desejasse. Pena eu não gostar de mulheres. De qualquer das formas, uma atracão quase magnética impedia-me de deixá-la ir.

Nessa noite ficámos juntas, pele com pele, sobre a pequena cama de Lara. Suámos juntas e tocámo-nos. Pela primeira vez, os dedos de uma mulher percorriam-me o corpo. Os seus seios. Pequenos e firmes como de uma adolescente. Os seus beijos são de mulher e são apaixonados. Os dedos, delicados mas precisos, tocam-me nos sítios certos. Fico húmida, gotejante, arfante.

- Sinto a mesma vontade que tu - disse-lhe num sussurro enquanto beijava o seu pescoço.


Na manhã seguinte, acordei com Lara nos meus braços. Esta situação era nova para mim. Serei o macho desta história? A fêmea? Ambos? O prazer foi diferente. O cheiro de um homem, o peso e força de um macho sempre foram my cup of tea, mas esta noite... Este corpo suave e curvilíneo que agora me envolve como uma serpente, faz-me entender o motivo pelo qual a mulher é perseguida em tantas religiões, culturas, tribos e cooperativas semelhantes. O seu poder é estrondoso. Ruidoso, mesmo nos confins mais escondidos dos sonhos.

- Lara... Lara... - disse baixinho.

Ela remexeu-se e enroscou-se entre as minhas pernas. Tocou no meu seio direito. Tal como um gajo que foge de uma queca com uma desconhecida após uma bebedeira, assim eu me esgueirei por entre os lençóis, pegando na roupa espalhada pelo chão. Vesti-me na sala, e assim foi. Assim me fui.

Lisboa, 05 de fevereiro 2017
um Velho Pervertido