Perversões
Perto da estação de Santa Apolónia, um grande navio atracado, impunha o respeito que um gigante merece quando concede a sua presença na cidade dos cacilheiros. Para além do sentimento de admiração e fascínio, tive uma revelação! Qual vidente iluminado? Autêntico messias de fim-de-semana! Nesse preciso momento, uma miúda, minissaia de riscas pretas e brancas, e que cobria apenas parte das suas coxas torneadas e morenas, cruzou o meu caminho de mão dada com um jovem rapaz.
Memórias e cerejas Amadureci mais um ano, e parece que agora sinto os efeitos secundários. O fascínio tem vindo a diminuir, a intensidade das relações é mais fraca, como se as emoções e afetos se mantivessem num banho-maria que por vezes arrefece drasticamente. Outro dia recordei-me de uma situação que vivi faz agora uns quinze anos.
Solestício - Eu quero é que o solstício se foda - gritou e atirou o copo contra o retrato de Luiz Pacheco que mantenho pendurado numa das paredes da sala.
Sonhei que era minúsculo e encontrava-me rodeado por um vazio imenso. Um vazio cheio de nada. O propósito da existência tornou-se algo vago, sem sabor e sem cheiro, sem frio e sem calor. Apenas um vazio onde existe angústia e um sentimento de procura incessante. Uma ausência de ritmo. Os sentidos apurados enganam.
Período da mudança Desde que cheguei, no início da semana, o sol não brilha. O constante lençol branco que cobre a cidade é também frio como as mãos de Karolina. O ar é poluído. As pessoas, fotocópias de um estereótipo politicamente correto, agasalham-se do frio instintivamente. As mulheres são deusas danificadas pelo ambiente e pela vida na cidade.
Quando a luz se dissipa em tons de laranja pelo topo dos prédios, a paz invade-me a alma. Gosto de me sentar no miradouro de São Pedro de Alcântara e imaginar que o ar é puro. Os últimos minutos da tarde são fatídicos – tal como pálpebras que lentamente sucumbem ao sono – como o rio que brilha em tons de Lua, o castelo que adormece na penumbra.
Tenho fome de ti, diz Soraia quando sai do banho e Jave deitado nu na cama, aguarda-a lendo Sartre. Soraia tem cabelo longo encaracolado que herdou da avó cabo verdiana. Os olhos verdes esmeralda brilham à medida que o pénis dele cresce imponente, um menir pré histórico que é a prova viva de que o sexo é a forma de comunicação mais pura entre géneros.
Edgar senta-se à secretária onde os manuscritos se acumulam em montes de páginas soltas e desordenadas. Os poemas escorrem da sua alma como que por desespero, procurando o conforto nas folhas brancas, ficando marcados a tinta negra. Todos os dias tem algo para registar, por vezes apenas uma pequena experiência que não quer esquecer:
Reunimo-nos para jantar em minha casa, estava frio e por isso coloquei alguma lenha na salamandra. Os convidados chegaram à hora marcada e a mesa, preparada ao pormenor, já os aguardava ansiosamente. As senhoras, com longos casacos de inverno cobrindo vestidos de gala pretos, vermelhos, malhados, traziam nos olhos o brilho de quem contempla diamantes.
Perdido em corpos de mulheres, procurando conforto nos seios, nas ancas, nas vulvas, nos lábios e línguas, percebi que a cova na qual me iria enterrar vivo estava a tornar-se mais funda e mais escura, um fosso infinito de ausência. Como eu devem existir muitos outros, homens e mulheres, numa luta diária pela satisfação que, insaciável e devastadora, arrefece o sangue, e na companhia de outros corpos, por breves momentos, aquece a alma.