Cinema e cenas

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Ela havia estudado cinema numa Universidade privada; aos 24 anos de idade trabalhava como empregada de balcão no cinema. A primeira vez que a vi reparei no seu cabelo, longo e castanho, com uma franja milimetricamente cortada e que desenhava uma reta horizontal, mesmo por cima das sobrancelhas. Uma pequena argola, talvez de prata, numa das narinas. O nariz era pequeno e perfurado por este objeto justo à carne, sem ferir, sem deixar nenhuma marca. Era muito bem desenhado, ficava perfeito com os olhos negros e redondos como abobadas. Quando falou, reparei que no seu braço direito as tatuagens agrupavam-se num emaranhado de cores, traços, borrões, símbolos e significados, muito provavelmente vagos. Gosto da tua voz, foi o que lhe disse sem responder à pergunta: “O que vai desejar?”, apenas pensei, café cheio sem açúcar e sem colher. O cinema estava praticamente vazio.

Ela tinha ancas redondas e pernas que desciam como um fio de prumo em direção ao solo, pés pequenos e desalinhados, sapatos de pano preto e atacadores brancos. Brancos e enlaçados fazendo lembrar orelhas de coelho pendendo.

Combinamos encontrarmo-nos após o expediente. Só devo conseguir sair lá para as 2 da manhã - disse olhando-me nos olhos, não de modo provocador, mas sim desinteressada, como que apenas se encontrasse comigo por não ter nada mais interessante para fazer ou em falta de melhor companhia. Um desconhecido, uma nova pessoa para descobrir seria perfeito. Estes horários são uma merda e fazem com que se levante às 4 horas da tarde.

- Vamos a um sítio calmo, beber um copo e conversar - disse-lhe enquanto por breves instantes procurei o decote e explorei a forma das suas mamas por cima da t-shirt preta.

Estava frio, Lisboa vivia a noite e eu sem paciência sai de casa a custo. A novidade é uma tentação tremenda e a luta de resistência é inglória. Ajoelho-me, tal como um condenado à morte, e aguardo a lâmina ou a bala. Estava frio e já passava da uma e meia.

Eram duas da manhã quando eu sentado num banco de jardim, mesmo em frente ao cinema, a vejo descer os degraus do cinema e dirigee-se em minha direção:

- Desculpa, fiz-te esperar.

Contou-me como é difícil receber o dinheiro que lhe haviam prometido: no final do trabalho perguntava ao capataz se desejaria receber o recibo verde imediatamente, ou se, o entregaria posteriormente, ou... basicamente, quero que me paguem já!

O nosso diálogo divaga entre banalidades, amigos comuns, conhecidos alguns. Eu sou um bêbado por vinho tinto, Alentejano do bom. Quero ficar com os lábios roxos, os dentes manchados, hálito de taberna, cheiro de casa de pasto. A ressaca é doce e o vómito nunca acontece a não ser que o deixemos acontecer, tal como o amor.

Nessa noite bebemos, conversámos, falei-lhe das minhas aventuras e senti imediatamente que o interesse desvanecia. Por vezes a novidade é tão passageira como uma moda. Não a voltei a ver e não me recordo do seu nome.

Lisboa, 18 de abril 2016
um Velho Pervertido