Ver os navios passar

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Perto da estação de Santa Apolónia, um grande navio atracado, impunha o respeito que um gigante merece quando concede a sua presença na cidade dos cacilheiros. Para além do sentimento de admiração e fascínio, tive uma revelação! Qual vidente iluminado? Autêntico messias de fim-de-semana! Nesse preciso momento, uma miúda, minissaia de riscas pretas e brancas, e que cobria apenas parte das suas coxas torneadas e morenas, cruzou o meu caminho de mão dada com um jovem rapaz. O clássico estereótipo do homem que frequenta as discotecas onde as miúdas e as divorciadas, desfilam com maquilhagens coloridas e roupas justas provocantes. Para um velho como eu esses ambientes são claustrofóbicos, chegando mesmo a ser angustiantes, pois são uma fonte inesgotável de fantasias e potenciais perversões.

A miúda da saia de riscas era bastante nova. Devia ter cerca de vinte e um a vinte e dois anos, não mais que isso. Consigo perceber pelos gestos infantis e sensuais sempre que se cruza com um homem ou um jovem rapaz. A clássica fêmea que, em idade fértil e hormonas saudáveis, procura um parceiro para acasalar e regurgitar o seu sémen. A miúda, para quem um rosto bonito e um corpo bem definido são suficiente para, num movimento quase involuntário, as pernas se abrirem e convidarem à cópula, ambiciona ser a mulher mais desejada pelos homens mais desejados.

- Que velho rabugento e invejoso - pensarão. Pois pensam bem! Por vezes relembro quando era mais novo, e deixei oportunidades de acasalamento passarem-me ao lado, simplesmente por não estar atento aos sinais.

À medida que caminhava, já perto da feira da ladra, um carro desportivo - que deveria custar o equivalente a um pequeno apartamento - estaciona num local proibido. Claro que isso não interessa para quem tem um carro daqueles! Um homem que devia ter cerca de quarenta anos, acompanhado de uma mulher loira e bastante exuberante, saem do carro com um ar de quem são donos do espaço envolvente.

- Curioso - pensei.

O ar carrancudo do homem, o semblante vazio da mulher, os quatro piscas que brilham quando ele tranca o carro... Que ritual maravilhoso.

A loira e o seu tom de pele arraçado de solário, provoca-me um sabor agridoce nos lábios. Gostaria de a provar, só pela maldade inerente ao facto de eu ser um velho, e pervertido, e com uma mente sempre preparada para diversões desagradavelmente perversas.

- Deve ser maleficamente deliciosa – pensei para comigo.

Seria virtualmente impossível engatar ou conquistar uma loira deste gabarito – rabo seco, mamas falsas, um doce de boneca. Os meus cabelos brancos e a pele de quem já penetrou bastante, não deverão ser de todo as características que atraem este género de fêmea.

De qualquer forma, sem divagar mais em prevaricações baratas, quero partilhar a ideia que me trouxe a estas linhas. A revelação!

O Tejo, que apesar de aos meus olhos cansados parecer bastante sujo, tem um encanto difícil de ser superado por outros rios urbanos. Talvez seja o facto de, num fado vadio, ser mencionado como o velho marinheiro ou, numa aguarela vendida por um artista de rua, brilhar como uma estrela de água, espelhando tons vermelhos por influência da ponte. Este rio é povoado pelos pobres cacilheiros que na sua pequenez e utilidade não têm coragem para pensar mais além. Não têm a ambição de sonhar desbravar outras águas; acorrentam-se na sua rotina e presos aos estereótipos do belo, o crescimento e a evolução tornam-se vestigiais.

O navio atracado, com todo o seu esplendor, é o sonho de muitos. O conforto, a utopia de rasgar oceanos, sendo admirado por deuses e outras figuras mitológicas que habitam os mares, é sedutor e excitante para os olhos de quem por fora contempla a beleza do casco e dos acabamentos. Mas repare-se que a sua imponência, a sua grandiosidade é igualmente um facto limitador. Será impossível para este navio conhecer os locais mais pitorescos e recônditos do Tejo. Nunca sentirá o prazer de efetuar a travessia do Tejo, do Cais do Sodré até à margem sul.

No fundo, o que quero evidenciar, é a constante necessidade de estarmos atentos ao que nos rodeia, identificando as oportunidades, assim como os fatores que limitam a nossa margem de manobra. Um velho como eu teria que moldar-se, desenvolvendo uma simplicidade de espírito e de pureza carnal capaz de iludir a miúda da saia às riscas. Teria que tornar-me aprazível aos seus imberbes olhos, e com a esperteza de velho lobo paciente com certeza levaria o meu cacilheiro a bom porto. Por outro lado, a loira madura de olhos vazios, teria que ser iludida com o meu falso status social e pose de aristocrata. Possivelmente conversaria bastante acerca de negócios, bens materiais e no final de um jantar dispendioso, num qualquer quarto de hotel de charme, foderiamos ao som de música clássica enquanto ela me murmuraria suavemente ao ouvido: Foda-me com força.

Lisboa, 12 de abril 2016
um Velho Pervertido