António, O Lobo

No passado domingo, na Casa do Alentejo, o baile não era temático mas, por falta de motivo melhor, as velhotas embonecaram-se e algumas levaram as netinhas como companhia. Cidália era uma conhecida de António, e a neta, uma boneca de 27 anos acompanhou-a. Quando entrou no salão de baile com a avó, já António bebericava um tinto e quase se engasgou. Aquele golo de vinho não foi de beber, foi de comer, como se algo lhe entrasse pela guela sem ter sido mastigado.

António era conhecido pelos demais por Lobo. Era uma daquelas consequências do serviço militar obrigatório, e a guerra; as alcunhas ficam e esquece-se o porquê.

Ele achou Ema linda. O seu olhar iluminou todo aquele salão. A música tinha agora mais cor, mais contornos, mais curvas, como uma bela mulher latina. O velho Lobo sentiu o calor. O sangue aqueceu-se-lhe nas veias. Como uma droga que se espalhava pelo corpo, cada vaso sanguíneo dilatava.

Cidália sorriu e aproximou-se, convidando-se a sentar. Apresentou Ema que educadamente estendeu a mão. António sentiu nesse toque uma compaixão que o desagradou. Ema falou com ele como se fosse um velho senil, como se o tempo esgotasse a cada expiração. O tic tac dos relógios havia-se tornado mais rápido com o passar dos anos. Ema contou-lhe que trabalhava numa empresa moderna, dessas que se vendem em bolsas financeiras e que têm imensa gente estrangeira. António, nada sabia desses assuntos. As pessoas agora falavam por maquinas portáteis conectadas a satélites. Sabia que pouco se tocavam e cheiravam. Hoje em dia, bastava ler cartas que não se escrevem em papel. As pessoas não se namoam nem se fodem como antes. Agora tudo é mais pensado e ponderado.

O fim do dia aproximava-se, a luz alaranjada típica de Lisboa, invadia a sala. Os passos dos casais que bailavam marcavam um estranho ritmo. Uma música que não existia e que apenas sobreviveu um breve instante. A dança é assim. Uma memória que nunca foi desejada. Um desejo que apenas existe após consumado. Embrenhado nesses pensamentos absortos, António convida a jovem Ema a dançar.

Um dois três, um dois três, um dois três.

Ema sorriu e com a mesma condescendência com que o havia cumprimentado, aceitou e estendeu a mão como uma donzela. Lentamente, como um velho debilitado, António levanta-se, o corpo pesa-lhe e as pernas não o ajudam. No momento em que segura a mão da boneca de 27 anos, as pernas tornam-se mais leves e os passos ganham a ligeireza de um rapaz.

Um dois três, um dois três, um dois três, a música envolve o abraço que partilham. Dentro dele o Lobo envelhecido, cansado e desdentado, acorda e levanta as orelhas. Inspira e sente o perfume natural de Ema.

Os corações sentem-se e ela sorri, imaginando como o velhote deverá estar feliz e excitado ao dançar com ela. Não desconfia que existe um predador à espreita. O velho Lobo renascia aos poucos. As peladas desapareciam a cada compasso, o cheiro e a audição voltavam a estar perfeitamente sensíveis aos mais singelos detalhes das fêmeas. Os caninos do velho Lobo crescem novos, fortes e com fome. Ema começa a suar e a velocidade vertiginosa da dança fazia-a arfar.

- O velho dança bem, filho da mãe! - pensou.

Cidália bebia um cházito e sorria ao ver a neta rodopiando nos braços do velho.

O seu respirar arfante foi sentido por António. O velho Lobo espevitou, e sentiu uma subtil contracção lá em baixo, onde uma tímida erecção desejava dar sinal de vida. A cada volta e cada passo Ema aquecia e o Lobo esforçava-se por mostrar-se inofensivo. A sensibilidade nas pontas dos dedos tornou-se apuradíssima e as costas descobertas de Ema eram suaves e sedosas. Percorreu discretamente os dedos pela pele da jovem; o pervertido encheu o peito. Sentiu o seios de Ema comprimidos contra o seu torço. O calor.

Os compassos preenchiam o tempo, e o Lobo, sedento de carne fresca e sangue quente, relembrou a sua juventude quando as fêmeas não escapavam aos seus encantos sedutores.

Ema sentiu uma inexplicável excitação.

- Será o velho? - Pensou. - Sinto uma terceira presença neste abraço. Há uma força predadora nestes braços; um coração pulsante cheio de vida e energia.

A sua vulva humedeceu, e no exacto momento em que se sentiu húmida, inconsciente, lambeu os lábios. O Lobo começou a preparando a sua emboscada; imaginou o golpe rápido no pescoço, as mãos deslocarem-se pelas ancas da jovem e por fim, sentir o calor das virilhas. O orvalho quente da vulva. O Lobo saliva. A música termina.

Lisboa, 09 de maio 2020
um Velho Pervertido