Troca de camas

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As camas são-me incómodas quando, pela primeira vez, indefeso como um recém nascido, procuro o conforto de um ventre que me acolha e que me autorize a pernoitar na segurança maternal que nos persegue como uma sombra. Mas o conforto não está lá ou ainda não se criou. Os contornos do colchão, da almofada, a textura dos lençóis, tudo isto na pele nua do Homem, é doloroso e sem sombra de dúvida que o cetim sabe a lixa e que o suor é sangue de morto. A áspera sensação das expectativas, o constante descontentamento e a procura daquele momento de conforto, enrijece a pele, tornando-a semelhante a escamas de réptil, animal de sangue frio, camaleónico na atitude. Somos um animal sem coração que por instinto de sobrevivência procura o regaço perfeito para o descanso merecido após a caça. No último raio de sol, durante o pôr-do-sol, numa pedra quente e desconfortável, é aí que encontramos a meta do desespero. Não é suficiente, no entanto, é engraçado como nos habituamos ao desconfortável, a situações que nunca ponderaríamos suportar e talvez inconscientemente, acabamos por considerar que não existe alternativa à realidade à qual nos adaptámos.

Quando a cama se torna um berço, os sonhos tornam-se memórias agradáveis, o sono é profundo, oceânico e duradouro. Os lençóis gastos são uma segunda pele e a almofada não poderia ser mais compatível com o nosso rosto cansado. Mas atenção! Não deveremos esquecer que existe o perigo eminente do conformismo, a falta de clarividência perante o óbvio. Certas doenças, normalmente as mais mortíferas, desenvolvem-se no Interior, manifestando-se na Pele, apenas numa fase terminal e o fim de mundo (ver nota de autor sobre fim de mundo) passa a ser o nosso local de conforto. Ácaros proliferam no colchão. Não os ouvimos e nem os sentimos. Isto é um pouco de sinusite. É do tempo que esta "chocho". Sempre tive isto desde puto. Já fiz uns tratamentos com uma máscara e tal....inalava uns vapores. Inevitavelmente fiquei curado.

As dores nas costas começam a surgir e a culpa é da idade, essa desgraçada que não pára, não espera por nós, aliás, nem olha para trás para perceber se necessitamos de ajuda. Egoísta, insensível e sem o pingo de consciência do que é a individualidade, tal e qual como um mulher grávida ou um homem mal casado (potencialmente corno).

Estou neste queixume, mas vocês sabem como é difícil trocar de cama e quando, por acidente, adormecemos noutra que nos parece extraordinária, estamos desejosos de... quem sabe passar uma noite? A verdade meu amigo, é que um fim-de-semana numa cama diferente, numa herdade de turismo rural, numa tenda improvisada com uns cobertores, numa cama digna de rei, num hotel de charme, é apenas uma doce ilusão. A sensação da roupa lavada, o cheiro hipnotiza-nos de uma forma surreal. A suavidade é semelhante à da pele de uma jovem mulher após um longo e demorado banho entre sais raros, e ao óleo perfumado com que hidrata todo o corpo. Esta ilusão de pureza e novidade é desconcertante.

Esta cama de hotel não range, mas não pensem que o silêncio é absoluto. Os gemidos quase eróticos que a madeira emite, quando me viro do lado esquerdo para o lado direito, e vice versa, durante a noite, geram os sonhos mais sensuais e mesmo pornográficos, que alguma vez tive. Não consigo esquecer as almofadas de penas, nem a textura dos lençóis, o cheiro da novidade. Acordei sentindo-me um homem novo, cheio de ambições e desejos. Tu sabes o que um homem faz nesta condição. Ele pondera a mudança, ele imagina-se noutra Vida. Isto para mim é inacreditável! Sem qualquer conhecimento sobre o passado desta cama de hotel. Uma cama que qualquer "borra-botas" pode possuir, sem restrições, apenas precisa de dinheiro. Uma cama de linha de montagem, sem história ou personalidade. Animal de sangue frio.

Homens, que se tornam sem abrigo, apenas pela utopia de uma cama de hotel, abandonando o berço que o fez crescer...

... o mesmo se passa entre casais.

Carcavelos, 15 de setembro 2015
um Velho Pervertido