Na pré-história
Tenho fome de ti, diz Soraia quando sai do banho e Jave deitado nu na cama, aguarda-a lendo Sartre. Soraia tem cabelo longo encaracolado que herdou da avó cabo verdiana. Os olhos verdes esmeralda brilham à medida que o pénis dele cresce imponente, um menir pré histórico que é a prova viva de que o sexo é a forma de comunicação mais pura entre géneros. O sentimento de culpa inerente à traição desaparece quando a primeira penetração a faz sentir preenchida. O calor que a invade é um calmante natural. As depressões e as ansiedades sucumbem a cada movimento de anca, ela em cima dele num balanço harmonioso, ele tocando cada milímetro dos seus mamilos castanhos. Focando-se na pele, nos impulsos elétricos que o percorrem, sente as ondas de prazer carnal tão negligenciadas pelos estúpidos amantes platónicos. Soraia condensa em si a beleza de todas as mulheres, os seus gemidos de fêmea e o seu respirar suave e doce são restícios de uma memória animal que existe bem escondida no ADN do Humano.
Jave ama. Soraia, nem tanto. Ela deseja e força que ele emana no suor, nos beijos, nas mãos que a apertam contra a carne dele. Quando procura escapes, seja em bares, em aplicações de telemóvel, ruas desertas, imagina que encontrará um cálice transbordando intensidade que a deixará inebriada e quem sabe, (num desejo bem intimo que não confessa) O Amor.
Soraia teve um sonho estranho na noite anterior. Os tempos eram diferentes, os segundos não eram passageiros e fugazes e os minutos - gotas de chuvas que vacilam no rebordo das janelas antes de graviticamente atingirem o solo - eram lentos e demorados como fazer amor Amando. As gentes que conheceu nesse sonho assemelhavam-se a animais. Macacos sem pelo tal como Homens primitivos e as mulheres nuas sem qualquer vestígio de vergonha no olhar, deambulavam descalças pela selva carregando nos braços crias lindas de longos cabelos esgadelhados e feições suaves de primata. Os machos caçavam, muitos deles tinham cicatrizes nas faces e a grande maioria, excetuando um ou outro incapacitado, eram musculosos e ágeis no caminhar, autênticos caçadores de bestas. Quando voltavam da caça, sentavam-se sem emitir um único grunhido observando o fogo que o mais velho meticulosamente havia gerado utilizando pedras e folhas secas. A carne morta era então cozinhada nesse fogo, as crias e as fêmeas esfomeadas salivavam aguardando permissão para matarem a fome. No fim das refeições, ossos brancos perto do fogo e barrigas inchadas de satisfação relaxavam, ouvindo os mais jovens batendo em tambores feitos de troncos de arvores ocos. Esta harmonia de ritmo tranquilizava os corpos e as mentes (pré históricas).
Em cada caverna na rocha da montanha, partilhada em média por um macho e duas fêmeas, a escuridão era densa, espessa como um pano de teatro. O macho deitado numa esteira de palha com as fêmeas, uma de cada lado, entrava num transe merecido. As caçadas são violentas, nem todos voltam saudáveis, alguns não sobrevivem e são carregados em braços pelos companheiros. Nessas cavernas, machos e fêmeas criam ligações emocionais muito frágeis mas profundas. Agulhas finas que atravessam a Terra sem sofrer dano na sua verticalidade. As fêmeas, em sinal de agradecimento ou fonte de um sentimento primitivo de desejo ou amor, tocam no macho. Indefeso e descontraído, emite uivos do que parecer ser prazer. As fêmeas nunca se tocam nem se olham, toda a sua atenção está centrada nele. O macho procura um corpo que o complete e que permita desaguar a sua semente, garantindo assim a continuidade da espécie.
Jave, num esforço semelhante ao das fêmeas desse sonho, esforça-se por agraciar Soraia. A mulher julga o homem, testa-o tentando perceber se ele é merecedor, tal como o macho sonhado, de repousar no seu corpo e dar continuidade à espécie - ou apenas de se entregar na busca de um prazer fugaz, permitindo que Jave, homem submisso aos desejos de quem ama, acredite que um dia ela possa ser sua. Hoje, Jave é que pertence a Soraia.