Edgar

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Edgar senta-se à secretária onde os manuscritos se acumulam em montes de páginas soltas e desordenadas. Os poemas escorrem da sua alma como que por desespero, procurando o conforto nas folhas brancas, ficando marcados a tinta negra. Todos os dias tem algo para registar, por vezes apenas uma pequena experiência que não quer esquecer:

“Oh flor que me ignoras,

partilhemos as almas na Primavera

fundido as nossas raízes na terra.

Oh flor, diz-me porque choras.”

Ocasionamente nesse tom infantil e ingénuo, ou nos dias em que as nuvens são negras e o seu espírito clareia a pele da face e o sangue se torna azul (de frio), as suas frases são ásperas e incomodam, por vezes aterrorizam, até ele já teve pesadelos com as histórias que a sua mente criou:

“O cipreste negro balança marcando o tempo... tic tac, tic tac,

e o balanço com o vento... tic tac, tic tac,

a vida segue morrendo neste lamento, tic tac, tic tac,

e eu espero por ela, numa campa ao relento.

Hoje pretende registar uma imagem que o persegue desde criança, um desejo que nunca entendeu e que suprimiu dentro de si sob pedras e betão e experiências insólitas com mulheres peculiares. Uma sombra, que acompanha a sua sombra numa relação siamesa, deixa-o desconfortável e faz com que se sinta culpado e merecedor de castigo.

Foi há muito tempo, tinha ele sete anos de idade, quando voltou da escola e pousou a mochila na poltrona da sala, ouviu uma voz de mulher que cantava e água que escorria. Era a sua Mãe que, terminadas as lides de casa, banhava-se lavando do corpo o suor do trabalho de mais um dia. A Mãe tinha na altura trinta e nove anos e, viviam apenas os dois na casa que o pai havia deixado, após ter perdido a guerra contra um cancro.

Edgar tirou o casaco e colocou-o igualmente na poltrona. Dirigiu-se à casa de banho e lentamente abriu a porta. O nevoeiro envolveu a sua face e quando espreito pela brecha, para além do vapor, a Mãe, nua, coberta de espuma branca, cabelo loiro longo cobrindo um dos seios, fizeram o seu coração palpitar o suficiente para perceber que algo errado se passava. Não era a primeira vez que via a mãe nua no entanto, a sensualidade que emanava quando a água percorria o seu corpo em pequenos rios pelas irregularidades da pele, fizeram-no fantasiar com deusas e ninfas, tal como as que via nos desenhos animados na televisão aos Sábados de manhã. A Mãe não se apercebeu da presença de Edgar, e passando a esponja pelo pescoço, pelos seios, pelas virilhas, nádegas pernas e pés, continuou cantarolando melodias e de olhos fechados, sorria. Edgar apercebeu-se que a Mãe era a mulher mais linda que alguma vez ele iria conhecer, o desespero de tal constatação levou-o a um estado de ansiedade tal que, muito lentamente, fechou a porta e sentou-se no sofá da sala, pensativo, contemplado os sapatos enlameados. Olhou as mãos e reparou como eram pequenas mas como gostaria de tocar e sentir um dos seios da Mãe. Os mesmos que o alimentaram e lhe deram vida. Edgar desconhecia os labirintos do Amor e do Desejo, mas sabia que as longas pernas da Mãe eram semelhantes à de esculturas gregas, as mesmas que ambos haviam visitado num museu. Nessa visita a Mãe explicou-lhe que aquelas estátuas eram padrões de beleza, ou seja, o mais belo dos belos! Edgar fechou os olhos e reviu os sorriso da Mãe enquanto esta se massajava com a esponja. Algo de errado crescia no seu coração de criança. Quando a água parou, Edgar pegou na mochila e foi para o seu quarto no primeiro andar da casa. Preparou os cadernos, lápis e canetas, para começar os deveres. Sentou-se à escrivaninha. Por breves instantes paralisou e num movimento involuntário escreveu o que seria o seu primeiro poema:

"Que mãos pequenas tenho, meu amor,

para tão grande beleza e perfeição.

Sonho em tocar-te e sentir o teu calor,

durante um banho quente de Paixão."

Utilizou palavras que nem sabia que existiam, expressões de desejos que nem considerava reais. Edgar ficou assustado e envergonhado e nunca mostrou este poema a ninguém.

A Mãe havia terminado o banho e já andava pela sala, quando de repente grita:

-Edgar, quantas vezes já te disse para tirares os sapatos antes de entrares em casa?

Lisboa, 12 de fevereiro 2016
um Velho Pervertido