ao final do dia

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Quando a luz se dissipa em tons de laranja pelo topo dos prédios, a paz invade-me a alma. Gosto de me sentar no miradouro de São Pedro de Alcântara e imaginar que o ar é puro. Os últimos minutos da tarde são fatídicos – tal como pálpebras que lentamente sucumbem ao sono – como o rio que brilha em tons de Lua, o castelo que adormece na penumbra.

Nas noites em que por ali fico observo as turistas que se deslocam como ondas. Fotografam e comentam a beleza de Lisboa para repentinamente desaparecerem.

No passado Sábado o frio feria as mãos. A inquietação que crescia no peito impedia-me de ficar em casa aguardando o dia seguinte.

Noite...

Aproxima-se do painel que identifica os diferentes elementos da paisagem. Passa o dedo pelo branco e azul dos azulejos. A linha do pescoço fica a descoberto após gentilmente passar o cabelo por trás da orelha. Certamente não me viu. Num gesto descontraído e genuíno, dando saltinhos de gazela, puxa as calças que descaiam pela cintura. Pressente a minha presença e cruzamos o olhar.

- Boa noite – digo numa tentativa de mostrar que não sou uma alma penada que por ali vegeta.

- Não tinha reparado que estavas aí… – responde com uma confiança fora do normal.

- Que fazes por aqui sozinha, a estas horas?

- Insónias… e tu? – responde enquanto se senta a meu lado.

- Ausências.

- Saudades?

- Não. Apenas ausências.

- Que estás a beber?

- Aguardente.

- Posso? – Tira-me da mão a garrafa de bolso e dá um trago que lhe deixa os olhos vermelhos. Olhamos em silêncio a paisagem com um sentimento de desesperança.

- Meti-o fora de casa... Agora sou apenas eu e meias sem par. – diz-me e ao mesmo tempo cruza as pernas.

- Sentes falta desse amor?

- Não. Sinto falta de sexo.

- Não é o mesmo?

- Depende dos beijos.

- Tens razão…

Um novo silêncio acompanhado de um trago de aguardente. Ela solta um pequeno arroto.

- Este tipo foi o primeiro que tive após o divórcio. Estivemos juntos quase dois anos. Fodia-me pouco e fodia demais a vizinha do segundo esquerdo.

- Acontece quando as vizinhas também são pouco fodidas.

- Que procure outro homem.

- Ou o homem que não procure a vizinha.

- Acho que estou a ficar bêbada e está a ficar tarde…Já há muito tempo que não durmo sozinha e não tenho gatos que me aqueçam. A cama vai girar como um carrocel.

A ausência e o vazio são uma corrente que se arrasta presa ao torço da alma. Com o tempo, a erosão e o desgaste natural provocado pela fricção enfraquece a corrente. Eventualmente, elos ficarão pelo caminho. O peso será menor e os músculos da alma irão fortalecer-se e o peso tornar-se-á suportável.

- Entra. Desculpa a desarrumação. Está ainda tudo espalhado pelo chão, foi o tornado da discussão.

Sentei-me no sofá junto a um amontoado de meias e cuecas. Cacos de pratos jazem no chão da cozinha como que esqueletos de raiva e dor. No quarto, a cama está uma confusão. Os lençóis são cordas de forca e o cobertor é a pele de um animal. A fotografia dele rasgada em pedaços - fragmentos de memórias.

- Vou à casa de banho, serve dois copos de vinho - oiço-a dizer ao mesmo tempo que a descarga do autoclismo chora.

Os copos estão baços e encho-os com um vinho tinto que desconheço a marca. Dou um trago... está um pouco avinagrado...

Observo a sala e os quadros que se amontoam nas paredes. O silêncio invade a casa e eu vou bebendo o vinho que anestesia. Começo a sentir sono.

Algum tempo depois, não consigo precisar quanto, começo a sentir que a ausência dela se torna injustificada. Termino o copo de vinho.

- Estás bem? - pergunto sem obter qualquer resposta.

Bato à porta da casa de banho.

- Estás bem? - e não obtenho resposta.

Entro e encontro-a nua na banheira, inconsciente com um vibrador perto da pernas e uma agulha espetada no braço esquerdo. De repente balbucia alguns sons que não são palavras.

Toco-lhe no mamilo direito que se encontra hirto:

- Que se passa? Estás bem? - não obtenho resposta.

Quando volto à sala, bebo o segundo copo de vinho de penalti, pego no casaco e saio do apartamento.

Quando cheguei a casa o cheiro a mofo era latente em todas as divisões. Deitei-me na cama e acordei quando o sol me sorriu na face. Sentei-me à secretária e escrevi esta história.

Lisboa, 03 de março 2016
um Velho Pervertido