Inês

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Faz bastante tempo que não preencho o branco das folhas. Histórias que, por malícia ou malandragem, afirmo serem fantasia e, num sorriso mais amarelo, lá me descaiu e o mundo percebe que o rei vai nu.

Quando resolvi dar vida a mais um conto, foder bem as letras e espalhá-las no monitor de fundo branco, sentei-me na sala e comecei esta masturbação.


Conheci a Inês na noite. Estava barulho e eu mudo num silêncio embriagado. Encontrei-me perdido entre gentes numa sala enorme. A musica. Sentia o ruído em meu redor, o tremor do chão, o baixo vibrava no peito e a humidade pingava do teto. Havia alcool no sangue; um pouco de tinto, umas cervejas, gargalhadas de shots, mares de gente desconhecida mas que se tornavam íntimos. Os típicos amigos de bebedeiras, daqueles que durante o dia apenas um aceno de cabeça é suficiente para validar o segredo da noite anterior. Inês apareceu como uma dessas pessoas.

Havia um tipo que estava a descrever como o cão dele era inteligente e detectava merdas enterradas em merda. Um amor de animal. Tinha na carteira uma foto do bicho e tudo. Que coisa triste - pensei e despachei o copo de penalti. Inês olhou-me cúmplice, percebi que deveria ir ao bar e levá-la comigo.


- Que fazes por aqui neste antro? - perguntei depois de ter pedido dois copos de branco, fresco.

- Provavelmente o mesmo que tu.

- E que faço eu aqui?

- Procuras... – deu um sorvo no copo de vinho.

- Procuro? O quê?

- Diria que não é o quê mas sim quem... – disse com um sorriso torto.

- Bebe comigo... - brindei o seu copo não dando resposta à pergunta que não foi feita.
- Que é que fazes para sobreviver?

- Sou escritor.

- Escritor de quê?

- De quecas e de vidas... – fiz uma pausa que durou um piscar de olhos. - Não ficaste surpreendida. A maioria das mulheres fica pasma, muitas das vezes acabo por as levar para a cama. Querem uma experiência literária.

- Não me assustas. Deves ser um bichinho mimoso e fraquinho - sorriu e tocou-me na barba como se eu fosse um chibozinho.

- Tens razão. – Soltei a tipica gargalhada sem piada. - E adoro o teu rabo. Topei assim que te juntaste ao grupo.

- Deixa-te de merdas. Porque te escondes atrás desses comentários? Mostra-me. Quero ver-te.

- Ainda é cedo, falta uma vida por viver.

- Ah! Agora começas com frases feitas. Olha, anda vamos dançar.

- Não danço, mas posso ficar a ver-te - bebi o resto de vinho branco.


Inês diluíu-se na multidão. Um sem fim de corpos agitam-se num ritmo próprio. Cabeças, olhos, mãos esvoaçam como folhas de árvores.

Tem umas pernas de deixar qualquer velho senil. O vestido curto, e a saia, mesmo por baixo do rabo, permitem ver a tímida celulite nas coxas. Um tesão imenso. Não fui o único a topar; um tipo alto e louro, perto do bar, - tem pinta de alemão - baba hipnotizado pelo serpentear das pernas da miúda. Uma mancha de suor, no fundo das costas, contorna as cuecas. A imaginação cresce como uma erecção num adolescente virgem.

Confesso ser um velho fraco, apaixono-me facilmente por estes episódios; a deliciosa imprevisibilidade da vida. Sou daqueles tipos que ainda alimentam a fantasia com alcool, exageros e sexo.


Ao nascer do dia - quando o sol preguiçoso começa a abrir os olhos - abandonámos aquele local. Inês a meu lado, com umas olheiras cavernosas e o cabelo empastado, diz que facilmente se apaixonaria por mim. Apenas por umas horas, numa pensão rasca na Praça da Figueira. Seria capaz de te devorar - diz num sorriso malvado.

- Mordo-te o coração com fome de leoa; arranho-te a pele num impulso selvagem e, se assim o desejares, poderás foder-me como bem entenderes.

Olhei-a, assim como se olha um quadro abstrato, procurando desvendar uma ideia, uma imagem, uma emoção.

Entre o suor da noite, as roupas com cheiro a tabaco e manchas de vinhos rasca; a saliva espalhada pelas faces, fruto de beijos de boca inteira, são o nosso banho de desejo. Somos pequenos demais para a vontade que sentimos.

Não estamos frescos como alfaces, pelo contrário... Mesmo assim, tocando-lhe na orelha e beijando-a por cima do piercing que brilha, digo-lhe:

- Deixas-me tão duro... – e penetro-a profundamente, como um respirar.

Mais tarde, após o sono dos justos, tomámos duche e fomos à nossa vida. Paguei uns 40 euros por esse quarto de pensão.

Lisboa, 04 de outubro 2019
um Velho Pervertido