Gato à janela

#

Da janela da sala consigo ver o quarto dos meus vizinhos da frente. Sem estores, cortinados, apenas uma árvore, que agora no Outono se exibe desnuda de folhas. O sol esconde-se e o pudor adormece debaixo de uma rocha. O meu gato preto na escuridão da noite é invisível e apenas os olhos verdes brilham como esmeraldas. Caminha lentamente pelo parapeito da janela. Observador contemplativo do mundo, curioso incurável, desavergonhado no olhar, aprecia a minha companhia embora mantenha a distância emocional necessária para nunca se tornar dependente de mim.

No quarto dos meus vizinhos...

A luz acende e a penumbra esconde-se nos cantos do quarto. A Mulher entra e a pele é percorrida por roupas que aos poucos desmaiam no chão. Desaparece subitamente e apenas o vapor, que gerado durante um duche, invade o quarto como nevoeiro.

O Homem sentado na cama descalça ambos os sapatos e tira as meias, atirando-as sem respeito para o fundo do quarto perto da porta. Exausto cai para trás, ficando deitado na cama olhando o teto, que por ilusão de ótica, expõe desenhos dinâmicos gerados pela luz do fraco candeeiro.

A Mulher, hidrata a pele com óleo após secar o cabelo com uma toalha branca. Húmida, cabelo escorrido que cai pelas costas como uma Serpente balança a cada passo e incita o Homem, que até então, absorvido em pensamentos desinteressantes, acorda do estado de sonambulismo e num reflexo involuntário, senta-se novamente. O meu gato preto lambe a pata esquerda como em provocação.

A Mulher, aproxima-se do Homem que de olhos fechados, respira fundo e beija a sua mão. Uma caricia que ela tão caridosamente lhe oferece, faz com que ele se levante e a abrace. O calor da sua pele à distância do tecido do robe cor de vinho, o pescoço fino e delicado convidando a beijos, as orelhas pequenas e sem brincos sentem o respirar do Homem. O desejo é a fonte de encontros e desencontros, é a melodia da vida, sendo que, o sexo, é o ritmo que dá sentido ao Desejo.

Os lábios encontram-se e demoradamente exploram-se, as línguas entrelaçadas como ondas, a saliva, esse oceano, é calmo e sereno. Hoje a lua, em quarto crescente, e o meu gato preto, são testemunhas da violação de privacidade da qual sou culpado.

O robe cai sem forças, como que inebriado de paixão. Suavemente desliza pelos ombros, pelas ancas, pelas canelas. A Mulher enxota-o com o pé e ambos sorriem como duas crianças. O meu gato preto espreguiça-se no parapeito da janela e deitando-se olhando as sombras de melgas, borboletas e outros seres que tais, que se movimentam em torno da lâmpada do candeeiro da Rua, expressa ansiedade e alguma angústia num miar seco e quase impercetível.

Oiço a água que escorre. A Mulher lava o Homem. Quando entram novamente no quarto, o Homem renovado, a Mulher perfeita na sua beleza, os corpos num abraço fazendo lembrar uma escultura. Deitados na cama, que já meio adormecida, acorda vigorosamente para os acolher; um ventre puro. Serpenteiam numa dança sem ritmo, enrolam-se num novelo de carne, braços e pernas, cabelos nas faces, movimentos rápidos. O respirar acelerado e intercalado de ambos, a mão do Homem entre as pernas da Mulher provocam gemidos involuntários na Fêmea. O gato mia e roça-se nos meus braços, simultaneamente o Homem abre as pernas da Mulher, enquanto lhe sussurra algo ao ouvido. Talvez promessas de amor, talvez desejo carnal de um “Quero foder-te”. Os corpos agora em sintonia num ritmo lento enquanto as unhas da Mulher percorrem as costas do Homem como que marcando o compasso da música. Hipnotizado, penetra-a lentamente, fundindo o seu corpo no dela, segurando o seu cabelo, essa Serpente ludibriosa, evitando que esta o morda e espalhe veneno nas veias dilatadas que permitem o fluxo de sangue e prazer pelo corpo.

Fumo um cigarro, passo a mão pelo pêlo do gato que se senta entre os meus braços.

A Mulher em cima do Homem, move as ancas lembrando uma coreografia, castigando-o com a dura tarefa de resistir à Tentação. O Homem, esse animal previsível, assume o comando e rolando sobre a Mulher penetra-a mais fundo e mais rápido. Neste ritual a espécie prevalece.

Coloco o gato dentro de casa e fecho a janela. Espero foder esta noite.

Lisboa, 17 de outubro 2015
um Velho Pervertido