A fadista de Alfama

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O despertador toca às sete e a ressaca atinge-me como um relâmpago, a sede, a fome, a vontade de mijar, tudo condensado em arrependimento. Não tenho nada decente para comer, apenas uns ovos, bacon e um pedaço de pão ao qual removo o bolor. A ressaca é um parasita que se alimenta das nossas fraquezas e ignorância, cresce e fortalece-se com Erros, Borgas e outras distrações. O peso na cabeça faz-me escrever como um militar. Frase, ponto final e é tudo. Muitas vezes penso que deveria deixar as noitadas e as bebedeiras, principalmente durante dias de trabalho. Ideias curtas e sem floreados desnecessários, é essa a atitude que preciso para chegar à casa de banho, sentar-me na sanita e tentar recordar o que se passou durante a noite. Acordei sozinho, não há sinais de ninguém em casa. Não tenho ferimentos, traumatismos ou marcas estranhas na pele. Consigo respirar, estou ressacado, está tudo conforme o esperado. Enfim...

Lisboa pode ser uma cidade desavergonhada, sem pudor, sem receio de mostrar o rabo e o fio dental em praça pública. Se há uma coisa que gosto é a imprevisibilidade que nos espera a cada esquina. Lembro-me que estava em Alfama, sozinho, bebia uma cerveja na rua. Espaço em branco... Estou num banco de jardim e converso com uma mulher. Cabelo preto bem curto, como uma francesa. Olhos grandes e lábios pintados de vermelho. Um vestido preto e um echarpe encarnado, parece uma fadista. Discutimos trivialidades, música, livros e julgamos as pessoas que vão passando na rua em frente ao jardim. Perto do Tejo Bar há um pequeno recanto com um sofá. É estranho ver um sofá na rua mas em Alfama parece bastante lógico que assim seja. A Fadista tem as pernas no meu colo e a minha mão percorre-lhe a anca. Não tem meias, não tem ligas, tem cuecas finas. Espaço em branco... O vestido puxado para baixo, apalpo-lhe as mamas e mordisco o mamilo direito. Talvez seja melhor irmos para um sitio mais escondido. Ela é quem conduz, estamos a ir para a minha casa.

- Tens preservativos?

-Não devo ter não, pára numa bomba - respondi.

Abri uma garrafa de moscatel, que ainda está na sala. Agora lembro-me, antes de irmos para o quarto estivemos enrolados no sofá, as mantas estão amarrotadas no chão juntamente com as cuecas finas da Fadista. Faço um café que desagua numa caneca, gosto de cafés longos, abatanados e cafés duplos. É ótimo quando se precisa de um choque instantâneo de realidade e, enquanto o bebo na cama, reparo que a Fadista deixou um papel na mesa de cabeceira - “tentar não custa, liga-me: nove três cinco três dois seis seis nove oito, F.” Aos pés da cama três preservativos desperdiçados no chão, não parecem ter sido fodidos. Recordo a Fadista nua que me aguarda enquanto luto com sapatos, meias e outros apetrechos que nos limitam nestas situações que deveriam ser fluídas e intensas, como nos filmes. A realidade é diferente do que se passa dentro da nossa cabeça, por vezes até conseguimos chegar a uma percentagem de equivalência bastante elevada mas as chapadas de lucidez deixam-nos cambaleantes no universo dos sonhos e fantasias, fazendo com que percamos a crença no Improvável. Gostaria de vos contar que fodi a Fadista de forma magistral, digno de um Semi Deus grego. Que os vizinhos bateram à porta e fizeram-nos uma ovação: - Bravo, bravo, impressionante! - que a intensidade da nossa queca provocou um eclipse lunar e um pequeno tsunami na Austrália. A realidade é que entre três tentativas de colocar um preservativo, de ser trilhado pelas unhas dela, de ela ter esgotado a saliva a tentar pôr-me de pé, acabámos por desmaiar na cama após uns esfreganços e lambidelas à mistura. Espero que ao longo do dia me vá recordando de mais pormenores porque para dizer a verdade não sei o seu nome, e não vou telefonar antes de o saber. Agora está na hora de ir trabalhar, mais tarde quem sabe, cantaremos o Fado.

Lisboa, 29 de outubro 2015
um Velho Pervertido