Raizes

#

Perdido em corpos de mulheres, procurando conforto nos seios, nas ancas, nas vulvas, nos lábios e línguas, percebi que a cova na qual me iria enterrar vivo estava a tornar-se mais funda e mais escura, um fosso infinito de ausência. Como eu devem existir muitos outros, homens e mulheres, numa luta diária pela satisfação que, insaciável e devastadora, arrefece o sangue, e na companhia de outros corpos, por breves momentos, aquece a alma. A carne é tão fraca e os nervos tão sensíveis, reparem como o frio arrepia os pelos nos braços, o cansaço provoca tremeliques nos dedos, as unhas crescem de noite e a ponta dos dedos são polígrafos na pele...

As noites são a preto e branco, comendo cabelos delas, sentido cheiros de corpos embebidos em sexo frio e sem esperança, transformam estas mulheres em estátuas de mármore negro, lindas e perfeitas nas formas suaves por onde o sémen escorre em lágrimas. Que deambulação mais erótica esta, que desejo mais macabro, o de usá-las como guardanapos após uma masturbação, como é excitante essa ideia. Mas o vazio, esse buraco negro que tudo suga e nada conserva, aumenta a cada penetração, a dilatação é espontânea e o sangue que acumula nas veias provocando a tensão ejaculatória, faz-me sentir um homem fraco, um ser simples, preso à natureza do corpo.

Ai, como gostava que isto fosse mais do que uma mera reação da carne atormentada por desejos sem face. Ouvindo Chopin, enquanto lhe aperto o corpete negro, sinto o meu pénis tremendo de um desejo movido pelo cheiro e o toque. Felizmente as mãos ainda sentem, contrariamente ao coração que se tornou uma passa do Algarve, instintivamente percorro o corpo dela buscando um caminho que certamente não se encontra no trilho que imaginei. Os pelos púbicos que cuspo nas tardes de domingo, numa qualquer casa onde a solidão de uma mulher envelhece, acumulam-se no chão como relva negra, decrépita e sem esperança na primavera que tarda a chegar. Ai, como gostava de não as usar, podendo simplesmente sentir essas mulheres com o olhar de abutre, salivando num reflexo pavloviano.

Estabeleci um plano pormenorizado, passível de monitorização através de pequenos objetivos cravados no tempo e desta forma mecânica chegarei a bom porto, foram essas as promessas que me fizeram. - Cria contactos com o teu sangue. - e fodi mulheres menstruadas na esperança que o sangue nos fortalecesse. - Experimenta conhecer a mulher que se senta a teu lado e questiona quem é - em boates e bares engatei mulheres desesperadas por atenção. - Diz que a amas se é isso que sentes - e fui amado.

O instinto de proteção leva-me então a fugir para longe dos sentimentos que deveriam ser a âncora pesada que impede o naufrágio, as ondas de calor que se elevam da terra lavrada (suor de sexo em corpos nus) aconchega a paixão, mas as raízes, essas que vão enfraquecendo e secando como cabelos de um velho, são memórias do que fui, prelúdios do que poderia ter sido. Como ainda subsistem? Num orgasmo energético que eletrifica o corpo fornecendo nutrientes a todos os vasos sanguíneos, elas vibram e acreditam.

E os dias passam... O plano ajusta-se, os objetivos, por fraqueza do espírito vão sendo abandonados pouco a pouco, convencendo-me que afinal não era assim tão importante estar preso à terra, à fonte de onde brotei em esguichos de esperma branco e denso. Afinal não é importante, penso quando num dia de sol o desespero se torna tímido e esconde-se algures atrás do coração, perto de uma omoplata?

E os anos passam... Mantendo as raízes minimamente ativas, apenas o necessário para não sucumbir de morte súbita, os objetivos que foram esquecidos voltam a ser considerados neste percurso e penso: “tanto tempo que perdi, podia ser forte e um homem diferente do que sou agora, neste momento.” Ocasionais sombras de amor (sexo) simplificam a vida, aceleram o tempo mas não constroem o palácio com que sonhei, o reino em que ambicionava reinar, pelo contrário, sou um vagabundo a quem é negada a entrada em casas de abrigo, a quem cospem na sopa dos pobres, abaixo de um animal (esses sim têm bastantes direitos, associações que os protegem, amigos que os acolhem), um homem que desperdiçou o tempo e a quem as raízes fraquejam. Consegue-se ver nos olhos, na pele enrugada, nas mãos, no sexo que pende tal como um cristo morto.

E uma vida passa...

Lisboa, 30 de janeiro 2016
um Velho Pervertido