Quatro e oitenta

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As lâminas prateadas, jazem desordenadas na gaveta. A cadeira é a mesma onde o velho Gabriel, cauteleiro de profissão e algarvio desde nascença, se senta todas as quintas feiras para desfazer a barba já grisalha.

As conversas, são rotineiras e com o tempero característico, vagueando entre futebol, política e mulheres (as jovens, as maduras, as beatas e as de má vida).

Albano, o barbeiro, viúvo há dez ou onze anos, trabalha nesta oficina de barba e cabelo desde os vinte. Hoje, com sessenta e cinco, ainda recorda as noites de juventude e o passado que parece mais próximo, pois o tempo, com o tempo, vai-se tornando mais lento.

Este não foi o seu primeiro emprego. Começou a trabalhar a terra e a guardar cabras, eram seis brancas e um bode preto. Tinha nove anos quando aprendeu a tocar gaita de beiços, sentado no chão, encostado a um sobreiro que suava cortiça velha. Tirou a quarta classe, orgulha-se da nota de louvor que o professor lhe deu. Sabia as tabuadas todas, desenhava as letras como ninguém. Até poemas escrevia! Poemas!

A infância foi rápida e quando, certo dia, acordou, já era um adolescente e trabalhava na mercearia do senhor Manel para ajudar nas contas da família. Um pai, uma mãe e uma irmã um pouco mais velha. Era a miúda mais linda da aldeia, tinha os cachopos todos atrás dela.

Quando mais tarde arranjou um emprego em Évora, abandonou a aldeia e lá partiu para a cidade grande. Vivia num quarto, na casa de uma viúva que morava com a irmã solteira. Durante o dia trabalhava na gráfica, carregava rolos e rolos de papel, baldes e latas de tinta, observava como o Mestre colocava as letras nas placas da prensa de impressão. A tinta devidamente misturada e sem grânulos, caso contrário, as letras saíam ratadas. Albano tinha dezassete anos e o Mestre dizia-lhe:

- Albano, se aprenderes isto bem, mais dois anitos e faço de ti meu ajudante, deixas de carregar os rolos e as tintas. Estou a ficar velho rapaz, preciso de alguém que me substitua quando o tempo me tocar no ombro e me disser que está na hora.

Albano gostava do que fazia e queria muito aprender. No final da primeira semana era um especialista a misturar tinta e a aplicá-la sobre as letras. O problema era a filha do Mestre...

- Quando a vi chegar ao fim da tarde... Gabriel, inda me lembro do vestido que a cachopa levava nesse dia. Era vermelho, tinha umas bolinhas brancas, assim de alças largas. Era tão linda. Tinha dezasseis anos, mas o seu cabelo preto... aquilo tinha história, não era inocente não senhor.

Quando ela entrou na oficina, Albano tremeu e até deixou cair a placa que o Mestre acabara de preparar. As palavras partiram-se em fragmentos mais pequenos que sílabas. As letras, nervosas, tentaram agrupar-se em novas palavras, mas ficaram mudas, tal como Albano.

- Oh rapaz, qu’é qu’aconteceu? Ora a porra ein! Tens que ter tino nessa cabeça. Olha, chega aqui, quero que conheças a minha miúda, já apanhas essa porra.

Serafina tinha lindos olhos azuis e pele muito branca. O cabelo preto caia-lhe pelos ombros como uma noite de lua nova. Tinha dedos de pianista, longos e esguios. As unhas roídas, uns arranhões já com crosta no joelho direito e não usava soutien. As maminhas protegidas pelo vestido, olhavam com orgulho para o céu, como um girassol em todo o seu esplendor. Albano reparou no mamilo esquerdo, revelava-se sob o tecido, como uma azeitona pequenina.

- É ou não é linda a minha cachopa? Atão miúda, cumprimenta o Albano, esta é a primeira semana dele a trabalhar com o pai.

Serafina estendeu a mão:

- Prazer.

Atrapalhado como um cabrito acabado de nascer, limpou a mão suja de tinta na bata.

- O prazer é meu menina.

- Tou-te a dizer Gabriel, quando toquei na mão da miúda senti logo o gajo a dar de si. Eu tinha dezassete anos, nunca tinha tocado na mão de uma mulher que não fosse a minha mãe ou a minha irmã. Fiquei logo apanhadinho pela cachopa. Nessa noite nem dormi direito, cheio de calores. A miúda quando abalou lá da gráfica, beijou o pai, eu estava apanhando as letras do chão e ouvi:

- Adeus Albano.

- Juro-te pela minha saúde. Quando ela disse o meu nome, vi-a morder o lábio, mesmo à velhaca!

- Qu’é que aconteceu depois? Voltaste a ver a miúda?

- Calma... Deixa-me contar-te a história...

Os meses passaram, para dizer a verdade nem foi muito tempo, porque o tempo era mais rápido nessa altura. Todos os dias, Serafina passava pela oficina depois da escola. O Mestre queria que a filha estudasse e quem sabe, viesse a ser alguém importante como uma professora, ou coisa que o valha. Dizia:

- A miúda é esperta, ela faz-se.

Albano andava aluado da vida. Uma vez, estava ele lavando os baldes da tinta, Serafina apareceu sozinha. O Mestre tinha ido fazer um negócio ao outro lado da cidade.

- O teu pai não está, foi fazer um negócio.

- Eu sei. Passei só para te ver.

O balde fez um estardalhaço e a água suja de tinta negra jorrou pelo chão, a sorte é que havia um ralo no meio da sala de lavagem dos baldes.

- Oh Serafina, olha o que me fizeste. Não venhas dizer asneiras. Vens-me ver... para quê? Tou na mesma, nem mais gordo nem mais magro.

Serafina era velhaca, sim senhor. Ajeitou o cabelo para trás da orelha direita, como um cavaleiro baixa a viseira antes do combate e aproximou-se de Albano.

- Eih homem! Ela era mesmo atiradiça. Que é que lhe fizeste? - perguntou Gabriel.

- Não te mexas homem! - parou de raspar a barba - Ainda te corto uma orelha... Queres que te conte a história ou não?

Albano afastou-se de Serafina quando esta deu dois passos na sua direção.

- Olha Serafina, não está na hora de ires para casa? O teu pai deve estar aí a chegar, ainda tenho que limpar aqueles dois baldes e arrumar as placas. Quero ter tudo pronto quando ele regressar.

Ela afastou-se e pôs-se a mexer nas letras que estavam em cima da bancada:

- Oh Albano, quando é que vais comigo à albufeira? À Graça do Divor, levas-me? Vamos de bicicleta, o pai ia deixar, ele gosta muito ti. Está sempre a falar do Albano, lá em casa...

- Tem juízo! Vou lá agora de bicicleta para a Graça do Divor. E se acontece alguma coisa? Não posso andar contigo, por aí, de um lado para o outro. O teu pai ia ficar derreado comigo se te acontecesse alguma coisa.

Folgava-se ao Sábado. Albano gostava de passear pelas arcadas da Praça do Giraldo, lentamente subir a Rua Cinco de Outubro e terminar bebendo água no jardim Diana. Foi aí que encontrou Serafina, que conversava e ria com uma amiga da escola.

- Albano, Albano! - gritou e logo depois despediu-se da amiga beijando-a com dois beijos, um em cada bochecha.

- Que andas a fazer por aqui, Serafina?

Dizia o nome dela e pensamentos pecaminosos começavam a crescer. Sentia os pêlos arrepiados, nos braços e na nuca. Tudo isto era novo para ele. Longe da família, sem amigos, sem experiência, não sabia como lidar com a situação. Tinha receio e desejo e ereções.

Nessa tarde, depois de terem passado muito tempo a conversar, depois de em silêncio respirarem a paisagem que vai dos Espinheiros até Évora Monte. Depois de chorarem a rir pelo modo como os pombos macho, correm atrás das fêmeas, inchados, de peito erguido, foram caminhando até ao jardim da cidade, ali mesmo perto do Rossio.

No jardim ainda existe o banco de pedra, com azulejos azuis e brancos, onde Albano e Serafina se sentaram com o pôr do sol. Ela cheirava tão bem... Sempre que mexia a cabeça, os cabelos esvoaçavam como andorinhas...

- Estou a contar-te isto e até parece que sinto o cheiro dela...

Serafina sentada à esquerda de Albano, olhava o pôr do sol típico do Alentejo, com um sorriso que, na luz que caracteriza o final do dia, o torna irreal.

Não existe nada mais perfeito que os lábios de uma adolescente. Albano sentiu o coração acelerar, não aguentava mais esta pressão. Sentia-se como uma rolha numa garrafa de espumante prestes a convulsar. As pupilas dilataram, as mãos suavam, uma ereção crescia no bolso das calças e, quando finalmente lhe tocou na face e ela olhou na sua direção, num impulso desconcertado e pouco assertivo, Albano beijou-a na boca e assim ficaram uns segundos enquanto Serafina, suave língua sobre os lábios dele, velhacamente pousou a mão nas calças de Albano.

...ambos arfaram.

Ele pulsava nas calças. As mãos de pianista de Serafina, timidamente, aproximavam-se do latejar que, como um ritmo de tango, crescia no bolso de Albano. Terminaram o beijo e olharam-se nos olhos, sem dizer uma palavra. Serafina mordeu o lábio inferior e, bruscamente, pousou a mão sobre o caralho de Albano. Agora não havia floreados, não havia poesia, o desejo era carnal e intuitivo.

Albano pousou a sua mão sobre a mão dela, mostrando-lhe como deveria segurar e apertar o seu membro de macho. Quando se beijaram pela segunda vez, Serafina já o havia tirado para fora e tomara-o na sua mão, sentindo as veias que continuavam latejantes.

A suavidade das mãos de Serafina...

- Então, ela agarrou-te na gaita!? - disse Gabriel, olhando no espelho o rosto já sem barba.

- Nem imaginas homem. Os dedinhos que ela tinha...

Mas Serafina era velhaca, Albano desconfiou que esta não era a primeira vez que ela segurava um caralho, tal como um punhal e quando cuspiu na mão e o besuntou com saliva... Albano teve a certeza, porque nem ele sabia tal manha.

Começou suavemente, massajando o membro de baixo para cima e cuspindo sempre que ficava mais seco. Os dedos finos, mas fortes e a palma da mão suave como seda, provocavam um latejar mais intenso.

A mão dele procurou-a, que encharcada de inocência, choveu nos seus dedos. Os poucos pêlos, suaves e curtinhos, passavam quase impercetíveis pelos dedos calejados de Albano. O som de chuack chuack e o gemido de Serafina; o movimento mais rápido e depois mais forte da mão de Serafina; as contrações de Albano; o fluido da vida que brotou em três esguichos, seguidos de quatro gemidos de Albano; a inocente mão de Serafina coberta de esporra, tudo isto de olhos nos olhos.

- Muito me contas... Bateu-te uma punheta, a magana... Olha, quanto te devo?

- É o mesmo de sempre, quatro e oitenta.

Évora, 25 de setembro 2015
um Velho Pervertido