Eu sei o que tenho em Évora

#

Eu sei o que tenho em Évora.

Tenho a mármore branca da fonte que me recorda a pele suave dos amores de adolescência. As paixões platónicas em cada arcada.

Há um sorriso, no por do sol visto do jardim Diana, e, é tal e qual a alegria de um primeiro amor. Trágico fim é claro, mas, lindo primeiro amor. Torturante mas solarengo. Há essa pureza inocente em cada pedra da calçada do beco onde cresci. Vi a vida e a morte fundirem-se, perfeitas, nas campas do cemitério dos Remédios. 

Sei que tenho em Évora um segredo; lindo como amoras selvagens e a ribeira de Valverde. Tenho o cabelo arruivado da miúda da escola primária, os olhos negros da rapariga da preparatória, o rabo sexy da chavala do liceu.

Guardo em Évora tesouros, como as mezinhas antigas, ditados de velhos e velhas que me benzem os bocejos. 

Quando a idade permitiu e os euros já circulavam, descobri que havia um mundo para além destas muralhas. Haviam caras novas, olhares diferentes, vozes sem cante alentejano e sem hálito a coentros. Havia loucura também, quecas em sítios estranhos, inóspitos e por vezes sem alma, apenas carne. Voltando à terra mãe, numa anta ou numa albufeira, haviam beijos de língua, paixão, sucos nos dedos e nos lábios.

Há música em cada travessa, sabiam? Há risos vadios, detalhes nas ombreiras das portas que só vemos após as duas da manhã. 

Tenho em Évora uma paixão que tal como aguarela, foi-se diluindo no tempo e agora é nevoa, cacimba. 

Em Évora há tentativas de amor eterno e fingimento de sexo bom. Há casais sem intimidade que teimam ficar assim. Há em Évora homens altos e mulheres de fibra. Sempre pensei e soube, com certeza absoluta, que não ficaria com uma alentejana destas bandas; a rijeza necessária eu não a tenho.

Tenho em Évora regressos. Amadurecimento de pele e carne a cada vez que volto. É das terras que temos orgulho em mostrar aos nossos amigos e às nossas mulheres. Acho até e sei que vão concordar, que esta terra mourisca é mêmo boa para o engate. Olha as escapadelas romanticas com vista para o templo. Uma queca inocente algures no meio do nada, lá para os lados da graça do Divor.

Sei que em Évora encontro aqueles amigos a sério que me dão guarida se preciso e até - que deus os proteja! - permitem que dê fodas na sua cama e não questionam o barulho. São desses amigos queridos que um alentejano precisa.

Sei que tenho em Évora esta casa que hoje nos acolhe e nos dá a liberdade para dizer, pensar e agir sobre o que sentimos e queremos. Sobre o que acreditamos ser certo. Tenho Évora na minha vida mas acima de tudo e assim o desejo, Évora tem um pouco de mim.

 

Lido a 11 de Setembro de 2021 na Sociedade Harmonia Eborense (Mercado Maroto)

Lisboa, 02 de outubro 2021
um Velho Pervertido