Madalena

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No vazio dos dias em que não trabalha, os longos banhos com sais confortam o corpo usado. Gosta de sentir o perfume que purifica os pulmões. Sentir a suavidade da pele do joelho, da virilha, dos seios, tocar-se sem pressas, e sentir de novo o Prazer. E é nesta paz de espírito que Madalena recarrega a energia necessária para, noite, após noite, agradar os Homens. Esses, que solitários na sua penitência de insatisfação, a desejam e amam, por alguns minutos. Em tempos, não se recorda quando, amou um homem.

A vida era cheia de sol, mas no decorrer dos anos, a árvore que outrora fora um sobreiro grande e possante, ficou encoberta por nuvens. Um dia, quando se apercebeu que a árvore ia ficando cada vez mais pequena, e, Madalena, que a regava todos os dias, falava com ela, acariciava as folhas e limpava as impurezas, foi perdendo a Esperança. A árvore que outrora fora robusta e viçosa, tornou-se uma erva daninha, uma urtiga, que picava e irritava, deixando a pele vermelha (devido às lagrimas derramadas). Madalena sabia que nada mais poderia fazer senão arrancar esta erva da sua Vida.

Numa arrogância (ou coragem?) de quem acredita ter asas, Madalena, abriu a janela da sala e saltou, voou livre e apreciando o vento que lhe tocava a face, o mundo foi-se tornando cada vez mais pequenino. As nuvens são fofas e arrepiam os pelos dos braços quando se lhes toca e o por do sol, visto acima dos prédios, rouba a respiração, o coração acelera como em êxtase. A Lua, essa virtuosa senhora, cheia de classe e etiqueta, ensinou-lhe muito sobre as Sombras e “como manter uma face oculta”.

Nos dias em que trabalha, carrega o peso da obrigatoriedade, o insolvente desejo de fuga é constante. A fragrância da falsa simpatia, a mesma que ensaia no espelho, sorriso bonito, voz delicada mas segura, um tanto ou quanto atrevida no olhar e nos gestos, é suficiente para a enojar. A repulsa que a faz ser insensível ao Amor, a hipnose a que se submete tornando-se insensível na Carne, fazem dela a melhor na sua profissão. A atriz desapegada do palco, mas, que em cada nova cena, brilha como uma estrela.

Enquanto escova o longo cabelo castanho, retoca o verniz das unhas, aconchega as mamas no vestido de decote abastado, sente uma pequena fonte brotar nos olhos verdes. Uma gota, depois outra, e nada mais. A porta que se abre para o palco é de madeira preta, as luzes roxas e vermelhas alteram o diâmetro da pupila e demora uns segundos a sentir-se confortável na escuridão colorida. Há homens que dançam com mulheres, há mulheres sozinhas sentadas em cadeirões, fumando cigarros, há mulheres em cantos da casa apenas esperando que o tempo passe, há homens bêbedos encostados à própria sombra, e Ela, que procura uma presa:

- Nunca te tinha visto por aqui - diz Madalena.

- Sim, é a primeira vez que aqui venho - responde um homem.

Numa pausa semelhante à que o carrasco faz antes de soltar a lamina da guilhotina, diz:

- Vim para foder.

- Todos nós viemos amor. São cento e cinquenta euros. Podemos levar uma garrafa de champanhe por mais cem. Vem eu trato de ti.

- Quero tudo.

... a eterna subida dos degraus...

Lisboa, 04 de novembro 2015
um Velho Pervertido