Das profundezas

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Apesar de sentir atração pelas profundezas, não era mineiro nem mergulhador, aliás, nem sabia nadar. Nunca tinha visto o mar. Falo das profundezas da alma. Das caves mais escondidas da mente sem alquimia ou esoterismo, entenda-se! Falo dos cantos mais recônditos, onde os sonhos nascem como pequenas fontes, onde as memórias se condensam e formam diamantes translúcidos. Por vezes, apenas e só quando os remorsos são cortantes, o sangue flui. Esses diamantes, esses mesmos que são memórias, tornam-se rubis escarlates. Pois bem, ele estudava a fundo a fundura da mente. Aprendeu lendo os livros, ouvindo os velhos, ouvindo os novos. Conversando consigo durante horas de meditação e não menos importante, olhando a Natureza. A noite e a luz, o negro do céu e o brilho dos astros, deram-lhe grandes lições sobre distância e imortalidade.


Na aldeia, existia um poço. Durante o verão - quente e árido - a água era escassa. Apenas no fundo, onde o balde quase não chegava, algum do precioso líquido teimava em não evaporar. Quando a primavera dava ar de si, o nível da água aumentava, chegando por vezes a transbordar em dias de tempestade durante o inverno. Este ciclo ensinou-lhe que a ausência é um prelúdio de algo maior. De um Oceano! De uma enchente digna de história bíblica.

Quando o nível da água baixava e o calor era extenuante, ele não desesperava, pois sabia por experiência - tal e qual alberto caeiro - que esta fase seria temporária. Numa paciência budista, tocava naquela ponto da sua mente, onde o desejo se esconde - onde a fome e a sede se camuflam - e aguardava pacientemente pelas chuvas de gotas fartas e pelos orvalhos das manhãs.


Numa das estradas que conduz até à aldeia mais próxima, um enorme sobreiro - tão alto que a sua sombra é cobiçada pelas nuvens - protege a oliveira mais antiga de que há registo. Esse sobreiro, mais jovem e viçoso que a oliveira, humildemente, permite que as brisas baloicem as suas pequenas e resistentes folhas. No entanto, com um espírito protetor, abraça a pequena árvore que, indefesa mas resiliente, não sucumbe aos soluços do tempo. É uma relação incomum neste mundo regido pela beleza das coisas e pela simetria da vida. Os laços que se criam na alma são bem mais profundos que as raízes que estas duas árvores possam partilhar. Há um espírito - denso e gordo - que é partilhado por estas duas almas. Todos os meses, num ritual quase religioso, visita o sobreiro e a oliveira e reconhece a Verdade.


Mariana faz o seu coração bater forte como tambores de fanfarra. Ela tem cabelo castanho, muito longo e ondulado. Olhos enormes de coruja e um sorriso... Bem... um sorriso do tamanho do sol. Mariana é profunda, e não estamos a falar da sua profundeza de mulher. O olhar penetrante que consegue ver para além da pele. Muito para além da carne e dos ossos. Mariana é sensual. Quando se conheceram ele ainda não havia percebido esta profundidade, pois apesar de ser um homem intenso e introspectivo é também, quase por defesa, bastante pragmático e frio, quando se depara com belezas perturbadoras.

Decidiram foder imediatamente. Temos que matar este elefante que se encontra na sala e que ignoramos - e ela concordou. O sexo foi escaldante e o dia estava bastante frio. Era inverno. Partilharam momentos íntimos, como aquela vez em que foderam ali mesmo numa esquina em Alfama. Momentos bizarros, como no último dia do ano em que beberam tanto vinho que a única memória que restou foi um pequeno vídeo ridículo gravado no telemóvel dele. Momentos únicos, como o sincronismo que alcançaram nos orgasmos. Ele vinha-se dentro dela e os espasmos dela eram intensos. Juntos, num só corpo, descobriram o profundo prazer dos corpos um do outro, um no outro.


Lisboa, 15 de janeiro 2017
um Velho Pervertido