Cacos de vidro

#

O namorado dela trabalhava numa fábrica de garrafas de vidro. Tinha também o dom de fomentar as conversas mais monótonas e chatas que se possam imaginar. Sinceramente eu não estava muito interessado em saber, em pormenor, o processo de produção de vidro, garrafas, caricas e o raio que o parta. Mas naquela noite, tal como havia prometido a mim mesmo, iria investir, melhorar, aprimorar as minhas competências sociais e de boa camaradagem. Resolvi aceitar o convite para jantar em casa deles.

Ela não vestia nada sexy. As calças de ganga de sempre, uma t-shirt vermelha de gola larga e nada de maquilhagem. De qualquer forma, tenho sempre uma vontade tremenda de lhe dar uma palmada naquele rabo redondo e firme. Ele, jovem com vintes e muitos e um total desapego à forma física, ostenta uma sombra de velho bêbado obeso. Para além de mim, alguns colegas de trabalho dela, alguns amigos que fizeram enquanto estudava e duas vizinhas. Eram as miúdas pequenitas e gordas que moravam por perto. Senti-me num circo. As meninas conservadoras, sem ponta por onde se lhes pegue, bebem cerveja em pequenos golinhos e riem como que estivessem a cometer um pecado conscientemente. Ele, o namorado dela, tenta explicar-me pela quarta vez o processo de fabrico de garrafas de vidro e todas as atividades que tem de desempenhar na fábrica. Eu, apenas bebo cerveja e admiro as ancas dela.

A noite passou relativamente rápido. O tempo acelerou após o quarto copo de vinho e todos riam e contavam pequenas histórias saudosistas. Quando os convidados começaram a ir embora, senti que deveria ir também mas primeiro fui mijar. No corredor deserto, ela passa por mim e instintivamente dou-lhe uma pequena palmada no rabo . Ela olha-me espantada – tal como mandam as regras – mas não ficou chateada, sorri e segue o caminho para a sala. Foi uma piada de amigos, um toque carinhoso sem intenções de adultério. Pensei para comigo: “tenho a certeza que irei foder esta gaja”.

Foi numa noite de Verão. O suor evaporava dos nossos corpos. Como se labaredas nos tivessem consumido e apenas o fumo se elevava da pele. Uma combustão interna que provocava a libertação deste vapor de sangue quente.

Eu, embriagado deitado na cama a seu lado. Ela fumava uma droga cujo fumo perfumava o quarto com um aroma de mentol e frango assado.

Quando os nossos braços nus se tocaram por acidente, ela olhou-me e congelou esse olhar durante alguns segundos. Nos minutos seguintes as roupas voaram pelo quarto e as respirações intensificaram-se. A música do sexo fez-se ouvir e a colega de casa, que dormia no quarto ao lado, estabeleceu um ritmo a esta dança, batendo na parede: toc toc toc. Foi rápido e indolor. Desta forma, o elefante que coabitava connosco desde o dia que nos havíamos conhecido transformou-se num pequenino mosquito. Inofensivo, impercetível. No entanto, quando pousou na garrafa de vinho que se encontrava na mesa-de-cabeceira, esta caiu e estilhaçou-se em milhentos pedaços.

Lisboa, 20 de maio 2016
um Velho Pervertido